Apesar de termos desistido ao fim do segundo dia, devo dizer que algumas das recordações mais fortes destas férias datam deste passeio. Na verdade, acabámos por interromper o percurso porque havia uma passagem de que eu já não me lembrava (e que era realmente muito simples). O Victor Hugo ficou muito irritado comigo, porque o caminho tinha sido terrivelmente duro até ali, e agora tínhamos de fazê-lo todo outra vez. A levada dos Balcões (o caminho interdito) é, sem dúvida, uma das experiências mais poderosas da serra da Madeira. É pena que, no seu livro, o John e a Pat Underwood se limitem a dizer que está a cair aos bocados. Pois está, mas havia certamente muito mais a dizer sobre ela.
Fizemos o caminho de volta a uma velocidade incrível, e quase sempre em silêncio, como seria natural. Foi uma situação em que vi a morte bem de perto, ali, insistentemente, sobre os abismos da Fajã da Nogueira. Pouco depois de termos iniciado o regresso, deu-se uma espécie de catarse. O Victor mudou por completo de atitude, começou a andar muito mais à vontade (agora em cima do muro de apoio da levada e não dentro dela, porque este de facto não é um percurso para fazer com medo das alturas). O ritmo era impressionante: acabámos por fazer o caminho de volta num terço do tempo que gastáramos para lá. Com isso, poderíamos perfeitamente ter rumado até à Central da Fajã da Nogueira, para depois acampar junto aos tis, conforme o plano. No entanto, o Victor Hugo confessava-se desmoralizado, estava mais numa de ir para o Funchal.
Eu também não quis insistir, porque me sentia um bocado porco (no dia seguinte, caso continuássemos o passeio, teríamos inevitavelmente de pedir um banho ao Senhor Luís; a ele ou ao fantasma, considerando que ele já não trabalha lá em cima), porque estava incomodado com aquelas duas mochilas a tiracolo (a armação não era assim tão confortável) e porque sabia que a subida da Fajã da Nogueira ao Pico Ruivo não ia ser nada fácil. Provavelmente ainda ia ser pior do que aquela que tínhamos feito de manhã, entre a Origem da Levada do Castelejo e o Chão dos Pessegueiros. Eu estava numa de chegar a casa, à noite, tomar um bom duche e depois seguir directamente para a cama. O problema é que, quando chegámos ao Ribeiro Frio, não sabíamos bem como voltar para o Funchal. A camioneta já tinha passado, e eu não conseguia falar com o meu pai. O Victor não queria ir para São Jorge, e também não estava numa de telefonar à Bárbara, a prima, porque não lhe tinha dito nada durante as férias e agora era um bocado foleiro ligar-lhe a pedir boleia. Uma hora depois, lá consegui falar com o meu pai.
Estava-se muito bem, no Ribeiro Frio, àquela hora e com perspectivas de voltar para casa. O meu pai chegou, e fomos comer uma açorda ao Poiso. A açorda estava óptima. Chegámos ao Funchal por volta das onze e meia.
Pois é, acabámos por fazer apenas meia travessia da Madeira (ou talvez nem tanto), mas ficou a promessa de fazermos todo o percurso para o ano, desde que o traçado esteja devidamente acautelado. Na verdade, o Victor até queria fazê-lo de imediato, mas eu não achei a ideia muito famosa, porque tinha outras coisas a fazer.
5 de Setembro de 2002
Está programada para amanhã, dia 22 de Agosto, uma Travessia da Madeira tal como planeada pelo Angelus. A travessia tem seu ponto de partida na Ribeira de Natal (Fajã da Nogueira) e só termina três dias depois em Lamaceiros. O evento, organizado pelo Scherzan, está descrito em detalhes neste documento. A não perder.
8.21.2009
Travessia da Madeira
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1 comentário:
Levaremos o Angelus connosco no coração. Certamente será emocionante relembrar as caminhadas feitas na sua presença e faço questão de atravessar a ilha com as suas botas habituais.
Obrigado pela publicação.
Um abraço
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