11.03.2007

Registos de Voz

Ouvir!Uma questão que tem estado alegremente omissa do código penal português é a dos registos de voz, enfim como a dos registos de áudio em geral. E eu digo alegremente porque para alguém como eu, que tenho por profissão escutar as conversas dos outros, a situação não poderia ser melhor. E é também altamente favorável a empresas como a TMN e o Millenium, que assim podem confortavelmente gravar todas as chamadas de e para os seus serviços sem que tenham sequer de avisar os clientes de que estão a fazê-lo.

E o que muitos ignoram é que existe de facto uma pequena indústria ligada à produção e ao consumo desse tipo de material. Não somos apenas os detectives privados e as pessoas que produzem aquelas péssimas transcrições para o tribunal que trabalham para empresas que lhes pagam pessimamente e no entanto recebem fortunas pela redacção dessas transcrições. Agora até haverá alguém encarregado de fazer "um guia de boas práticas no que toca à realização de escutas telefónicas".

Ora mas que bela ideia: um guia de boas práticas para escutar as conversas dos outros! Parece-me a mim uma iniciativa singularmente louvável, até porque, provavelmente ao contrário da maior parte das pessoas, eu considero esta uma profissão de grande nobreza. Quer dizer, se eu passar o dia a ouvir as conversas dos outros, tenho com certeza muito mais oportunidades de ficar sabendo de coisas interessantes do que se passar um dia especado à frente da televisão. E, pelo menos, posso ficar a saber a opinião que diferentes pessoas têm sobre o mundo ou sobre um assunto específico sem que eu tenha de expor a minha, logo sem que tenha de haver discussão e sem que haja oportunidade para andarmos à chapada ou aos tiros.

Enfim, é claro que isto será mais uma forma goffmaniana ou saquesiana de encarar as coisas. Mas para mim esse é já um facto indiscutível: ouvir as conversas dos outros pode ser também uma forma de perceber o mundo e o modo como nos relacionamos.

O problema é que agora, com a tristemente célebre polémica das escutas, os legisladores já começaram a pensar seriamente sobre o assunto. É uma matéria que carece de regulação urgente, como já tem sido bastas vezes discutido em público, e qualquer dia vão mesmo fazer uma leizinha para nos lixar a todos.

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