3.22.2008

Irlanda do Norte

Já li alguns relatos de mochileiros na Europa com alguma curiosidade, mas nunca havia antes tentado uma aventura dessas. Eu, como o Angelus, prefiro mas o conforto de quartos limpos e fartos desjejuns. Entretanto, achei apropriado experimentar a vida dura de mochileiro na Irlanda do Norte, o país mais pobre do Reino Unido. Aqui o relato há de servir como guia; anotem tudo - atenção.

Primeiro é buscar uma passagem de avião muito baratinha, porque não dá para chegar na Irlanda do Norte de outra maneira. Quer dizer, até dá. Mas aí vai sair bem mais caro e vai tomar muito mais tempo. Ninguém quer nada disso, nem eu nem mochileiros. A Ryanair oferece umas pechinchas imperdíveis. Tipo, se mora o leitor na Escócia, paga oito libras e, porque é nova a rota, vai até o aeroporto - de qualquer parte da Escócia - de graça. Sim, de graça. Ora imaginem que para ir de Edimburgo para Glasgow paga-se muito mais.

Depois é preciso pensar onde ficar. Há umas duas ou três pousadas da juventude em Belfast. Fique na mais barata delas, que há de custar oito libras por noite (atenção - o mesmo valor que pagou para ir e voltar para a / da Irlanda do Norte a partir da Escócia). É um quarto pequeno, escuro, onde se amontoam 11 beliches, ou seja, 22 camas. Os tipos no quarto são estranhos e vários: desde turistas franceses gripados a trabalhadores braçais de sítios mais ao leste. Numa das camas estava uma velhinha estrangeira que falava um inglês muito precário com o possível filho. Nunca cheguei a entender muito bem aquilo, porque se eram estrangeiros e possivelmente parentes, valia mais a pena falar em grego. De madrugada a velhinha vai-se acordar e dizer ao filho (um homem já para lá de seus quarenta anos) que ele devia ir para a escola. "Cale a boca" - dizia o grego em um inglês de quem nunca foi para a escola mesmo. "Você cale a boca" - respondia a velhinha muito irritada, ainda em inglês. Ninguém reclamou dessa conversação às três da madrugada. Os mochileiros devem estar acostumados a todo tipo de vida, ou são simplemente uma categoria muito polida

Esse episódio há de ser à noite. Como hás de chegar em Belfast lá para a hora do almoço, aconselho-te que faças um percurso a pé pelo centro, que é compacto e giro. Aliás, aproveito agora para dizer que achei o centro de Belfast muito mais interessante que o centro de Dublin. Quer dizer, basta ver o movimento em frente à prefeitura e não há de ser difícil chegar à mesma conclusão que cheguei. Quantos jovens ali! Uns tantos. Todos em grupos, conversando não se sabe o quê. Já isso por si só dá uma alegria sem tamanho. Depois, bem à frente da prefeitura, está a Estrada Real, cheia de lojas e mais jovens. Sim, os jovens estão por toda a parte. Sobretudo no Waterfront Hall, que é uma zona curiosíssima. Ali a coisa que se vê em frente à prefeitura é mais séria e muito mais organizada. Os jovens ali são meio barra pesada, mas muito na deles. Se tiver medo, é voltar em direção ao centro. Nessa altura, aconselho-te já a dar uma breve paradinha no tradicional pub The Kitchen Bar e tomar uma Guiness.

A Estrada Real leva até uma praça curiosa, a Writer's Square. Pequenina a praça, cheia de estranhas esculturas e florinhas coloridas. Ali perto está a biblioteca central, um prédio de arquitetura vitoriana imponente. Em termos de arquitetura, Belfast não oferece nada de especial. No entanto, é preciso ver o Crown Bar. Toda a gente vai recomendar o Crown Bar, com sua entrada peculiar de azulejos verdinhos, amarelos e o quê. É obrigatório. Tentei ir lá duas vezes para tomar uma cerveja, mas o lugar está sempre cheio. Muito cheio. Ademais, lá dentro estão todos acompanhados e felizes.

Há um mito vigente (na Escócia pelo menos) de que os irlandeses são muito camaradas, acolhedores, bonacheirões. Aproximam-se com curiosidade dos estrangeiros e oferecem sempre um sorriso. Acreditam em gnomos e fadas. Muitos acreditam também em Deus. Toda a gente sabe que a religião na Irlanda do Norte é um tema delicadíssimo, e eu prefiro cá meter-me com as fadas, que são muito mais fiches. Basta conversar com o John, no pub ao lado da pousada. Ele explica tudo. Não cometa, no entanto, o gravíssimo erro que cometi e, em suas generalizações - ainda que inocentes, chame o John de irlandês. Ele há de virar-se, um bocado ofendido, e replicar: "sou britânico". Por mim, fosse leprechaun, daria na mesma.

Uma dica para o domingo. Acorde-se cedo e finja estar esperando algo no saguão da pousada, como estão uma dezena de outros hóspedes. Preste bem atenção ao que dizem. Se tiver sorte, pode ser um grupo de turistas pronto para embarcar numa dessas centenas de viagens organizados para a Giant's Causeway. Se não tiver nada programado, junte-se a eles. Entre no ônibus como se fosse parte do grupo e vá para a Giant's Causeway de graça - porque um bom mochileiro tem de encontrar alternativas sempre muito baratas para tudo. Quanto mais baratas, melhor. A Giant's Causeway não chega a ser nada que valha o conto, mas é de graça uma experiência espetacular. Depois o ônibus, de quebra, há de fazer uma parada em Derry, cidade cercada por um muro imenso, cuja graça varia de acordo com o sol e a disposição de quem a visita.

O ônibus volta somente ao fim da tarde. Dá tempo de trocar a roupa e ir para a noite de Belfast, que é bastante agitada.

Se sobrar uma manhã, visite a região mais ao sul da cidade, onde fica a universidade. O prédio central da Queen's University é bonito. Ali perto fica o Parque Botânico, que vale uma espiada. Depois, por trás da universidade, está a animada Botanic Avenue, com bares, restaurantes e cafés, barbearias e lojas exotéricas muito instigantes. Teria passado a noite anterior aí, que deve ser muito mais interessante que no centro da cidade. Entretanto, isso há de ficar para uma próxima vez, quando voltar sem mochila.

3.19.2008

There Are So Many - Pt3

Ouvir!Got nothing left to say
It's only words
And what I feel
Won't change

Everything you want
It's too much
It's so heavy
There is no peace

All you want from me
Isn't real
Expectations
So surreal

Lingua on Standard Generative Phonology

Ele Há Tantas - Pt3

Ouvir!Tudo o que quer me dar
É demais
É pesado
Não há paz

Tudo o que quer de mim
Irreais
Expectativas
Transformacionais

Lingua sobre Fonologia Generativa Clássica

3.17.2008

Uma opinião fonológica sobre o Novo Acordo

Ouvir!Como jovem aprendiz de fonologia, que é a arte já bem antiga de compreender e explicitar as relações entre os sons, é natural que as pessoas me perguntem o que é que eu penso da aprovação do novo acordo. Pois vou dizê-lo, então, e vou dizê-lo provavelmente ofendendo uma velha tradição (ou pelo menos uma tradição instalada entre os linguistas no século passado) que é a de que os linguistas são pessoas de índole permissiva, portanto anti-conservadora, e que por natureza toleram tudo. Mas vou dizê-lo com as letras todas: ACHO QUE O NOVO ACORDO É UMA BOA MERDA. E já agora explico porquê.

Falam da unificação da escrita Portugal-Brasil, mas afinal eletrónico e eletrônico vai continuar a escrever-se de modo diferenciado. Ora, se há coisas que de facto fazia sentido mudar na escrita do português, uma delas é com certeza a acentuação das esdrúxulas: devia deixar de existir. Não só isso é uma indesejável marca de diferenciação nas ortografias de Portugal e Brasil, portanto contrária ao espírito de unificação que tanto apregoam, mas é também uma marca completamente espúria face a palavras como pudico, que ninguém no seu perfeito juízo pode acentuar na segunda sílaba, período, que já quase toda a gente do PE deixou de acentuar no i, e rubrica, entre muitas outras, como os célebres casos túlipa e tulipa, alcoolémia e alcoolemia, nomes próprios como Flórida e Florida, und so weiter.

Quer dizer, as coisas que deveriam ter sido subespecificadas na nova escrita (pensando naturalmente subespecificação como uma forma de alcançar neutralizações representacionais desejáveis), com o novo acordo, como essa história das esdrúxulas, afinal continuam a escrever-se de maneira diferente em Portugal e Brasil, e aquelas que são realmente úteis, como o diacrítico trema, que é importante para as pessoas saberem se devem dizer tranq[u]ilo ou não, deixam de existir. Ora bolas!

Já a anterior resolução tinha sido destrutiva no sentido em que acabava com o acento grave de pàdeiro e frèguês, também útil por exemplo para os estrangeiros que agora têm de aprender a nossa língua, e deixava todos esses casos de marcação fonolexical ao critério da consciência e lembrança étimo-morfológica dos nossos falantes.

Agora vêm estes acordadores e põem-se a tirar os cês e os pês das palavras escritas, se as pessoas assim o quiserem, consoante a pronúncia contemplar essas articulações ou não. Bom, se é para termos uma escrita fonética, ou remotamente baseada na fala real das pessoas, então mais vale que palavras como couro passem a ser escritas como coro, visto que ninguém do Norte para baixo lá põe um [u] na pronúncia. E, já agora, mais valia também acabarmos com esta história de escrevermos paço e passo de modo diferenciado, já que também praticamente nenhuma pessoa produz o primeiro com uma sibilante apical. Que se escreva portanto paso independentemente de ser uma coisa do andar ou uma coisa do concelho. Já agora, também não vejo nenhum problema em escrever conselho quer se trate de uma região quer se trate daquelas coisas que nem sempre gostamos de ouvir dos amigos. Quer dizer, só pessoas com uma consciência fonológica muito pouco desenvolvida é que ainda não repararam que o português tem milhares de homógrafos e homófonos. Sim, e entre esses estão aqueles que no passado se puseram a dizer que teriam muitos problemas em escrever cágado como cagado. E aos opositores de uma grafia como paso responderia eu que também já é tempo de se acabar com a distinção entre palavras como vasa e vaza, já que serão igualmente residuais (pensando pelo menos em termos de estatística geral do português em todos os seus continentes) os falantes a produzir uma sibilante apical vozeada.

Eu por mim, que não percebo quase nada de fonologia, acho que na verdade a ortografia poderia muito bem ter ficado mais complexa, e que se poderia ter reposto por exemplo os antigos acentos graves de sòmente e sòzinho. Quer dizer, se a escrita alfabética é por natureza um sistema de representação fonológica que foi evoluindo ao longo dos tempos como forma de explicitação do conhecimento linguístico (e passou a haver espaços para marcar a fronteira entre as palavras, passou a haver diacríticos para marcar proeminências e outras coisas, passou a haver pontuação e parágrafos para estruturar a informação discursiva), então não vejo razão para que não se torne agora mais complexa, numa altura em que já quase toda a gente está alfabetizada (ou pelo menos os índices assim o indicam, independentemente de as pessoas serem
ou não mais letradas).

Ou então, se é para simplificar as coisas ao máximo, que se deixe de escrever os acentos e as cedilhas e essas porcarias todas, como acontece no inglês e passou a acontecer no alemão, e aliás como as operadoras de comunicações em Portugal cedo decidiram fazer, visto que poucas serão as pessoas neste país que conseguirão mandar SMSs com esses obsoletos diacríticos.

Sinceramente sinceramente, e realmente ofende-me um bocado ser conservador neste sentido, não vejo razão nenhuma para deixar de escrever como escrevo. Muitas inovações são boas, e são boas por exemplo porque representam o progresso do conhecimento. Ora, eu não vejo como este novo acordo reflecte as inovações que se têm feito no conhecimento fonológico do português em nada. E se ainda há tão pouco tempo houve tanta gente que se virou contra a TLEBS (muita dela gente que não percebe patavina de gramática ou de linguística, como o RAP e o VGM), que é de facto um documento inovador e que acompanha muitos dos progressos vividos na linguística das últimas décadas, não percebo sinceramente porque é que não há agora uma vaga desse tipo a atacar o novo acordo. E chateia-me ter de concordar com o VGM em relação a isto.

Apregoo, portanto, o aumento dramático dos homónimos do português, que seria a chamada solução radical, ou a complexificação do actual sistema de escrita, tendo em conta a evolução do saber fonológico que entretanto se verificou. Mas prefiro a primeira, de facto, porque poderá vir a facilitar em muito alguns tipos de expressão artística.

E que se unifique, sim, mas de uma forma inteligente e intuitiva. Pois se somos dois e vamos vivendo os nossos dias com isso, dois seremos até prova de que a unificação está conforme as nossas expectativas linguísticas e a nossa inteligência fonológica.

3.07.2008

Meshuggah, obZeno, 5*

Ouvir!Hoje é a data de lançamento oficial do novo álbum dos Meshuggah (maluquice em ídiche, que, como se pode ver por estas semelhanças, é uma língua muito parecida com a nossa), o que para muitos constitui particular motivo de celebração e regozijo. Até pensei ir ao Pingo Doce comprar uma garrafa de Moet & Chandon, e ainda sou bem capaz de fazê-lo. Talvez possa abri-la efusivamente no próximo dia 11, que é a data oficial de lançamento do álbum nos Estados Unidos.

Pois é, pá, não é todos os anos que os rapazes lançam um álbum, nem sequer de dois em dois anos, e muito menos uma coisa deste calibre. Mas afinal de contas, quem é que não é preguiçoso?

Em 2005 haviam-nos dado a sofrível Malha33, que no fundo era a progressão lógica do [ai], que como sabem em inglês tanto pode significar 'olho' como 'eu'. Digo progressão lógica porque de facto não posso dizer muito mais, e não fomos poucos os que ficaram com aquela sensação que já deu um célebre refrão do Sérgio Godinho.

A Malha33 terá, enfim, pelo menos o mérito de ter um grande título, eventualmente o melhor de que os Meshuggah já se lembraram (ah, mas não esqueçamos a Fútil Máquina de Fazer o Pão como versão acústica desse outro hino do metal contemporâneo que dá pelo nome de Fútil Máquina de Fazer Bebés - provavelmente já em 1997 os Meshuggah previam a proliferação destas máquinas de panificação domésticas). Embora aquilo que aqui me traga hoje seja o obZeno, eu não resisto a dizer algumas palavrinhas mais sobre a designação Malha33. É difícil falar disto em português, visto que obviamente se trata de uma brincadeira linguística em torno da expressão americana 'catch 22', expressão que ouvi pela primeira vez da boca do Chuck Shuldiner, esse outro grande guitarrista do metal moderno, que Deus o tenha. Mas a interpretação que eu na altura fiz do título Malha33 dos Meshuggah prendia-se obviamente, por um lado, com a fixação que o Sr. Thordendal (discípulo de Thor, reparem) tem com o número 33 e com o gosto que o grupo em geral alimenta por levar as coisas um passo adiante, e por outro lado com a complicada relação que eles tinham com a editora Nuclear Blast, e que também poderá ter estado na origem de outros títulos desse álbum como o erudito mas igualmente bonito Personae Non Gratae. O título Malha33 encerra uma concepção profunda e que tem tudo a ver com a forma de ser e de estar dos Meshuggah. Assim, se a expressão 'catch22' poderia eventualmente ser traduzida pelo nosso 'preso por ter cão e por não ter', já 'catch33' não terá tradução possível a não ser a pouco mais que aleatória Malha33. E o engraçado é que os Meshuggah, não obstante os títulos, decidiram mesmo renovar contrato pela Nuclear Blast.

E é então com essa chancela que nos chega este obZeno. Como disseram alguns, esta história de brincar com a capitalização dos títulos já os Korn (massaroKa) a têm há muito tempo, e não é para todos os gostos. Mas eu devo dizer que não tenho assim tanto ódio ao chamado metal nouvo, e a verdade é que uma das minhas canções preferidas dos Meshuggah é mesmo a Espasmo, ali com a voz laringalizada do Tomás Haake a marcar muitos pontos sobre a malha minimalista (e que, convenhamos, é massaroKinha chapada) do Sr. Thordendal. Sim, e também não vamos esquecer a grande grande remistura que este fez dos Rammstein, da música que se chama Benzina.

Mas enfim, estaríamos muito longe da verdade se disséssemos que este obZeno é um opúsculo de metal nouvo. Será sem sombra de dúvida novo metal, e conceptualmente estará anos-luz à frente de qualquer obra parida nos últimos tempos sob os auspícios do género. E devo dizer a todos os cépticos que, do ponto de vista técnico (ou teórico, se quiserem, do ponto de vista da teoria musical), será muito fácil provar esta afirmação.

Mas não estamos aqui para embarcar em desinteressantes considerandos teóricos, e a verdade é que até agora ainda ninguém me mandou uma transcrição do solo da Concatenação, não obstante eu oferecer mais de cento e cinquenta euros em troca, pelo que o melhor será falar do valor desta nova obra do Frederico e amigos em termos artísticos. Alguns hão-de espantar-se com as cinco estrelas, hão-de achar demasiado, e eu dou a mão à palmatória àqueles poucos que eventualmente terão o privilégio de conhecer os rapazes da maluquice melhor do eu. Para mim, este é de facto o melhor álbum que eles fizeram desde o Destrói Apaga Melhora.

Não é um salto criativo tão grande como o que deram nesse álbum (que aliás, na prática, havia sido dado do Colapso das Contradições para o Nenhum, a grande semente concentradora do modelo de trashalhada contemporânea dos Meshuggah), e na verdade funciona mais, como os próprios já têm vindo a dizer, como um apanhado dos vários momentos e estilos que eles têm vindo a cultivar desde 1995.

As referências são óbvias: a Combustão é uma composição de thrashalhada linear, com um crescimento guitarrístico superfertilizado, à moda daquelas faixas mais curtas do Destrói Apaga Melhora (e reparem, tem também algumas semelhanças estruturais com a Nem Me Digas Nada, uma canção que sempre apreciei das Faixas Raras). Uma descarga de batimentos-relâmpago (enfim, condesçam, foi a melhor tradução que arranjei para 'blast beat') à moda da Festa do Horror também não teria ficado mal nesta música, mas assim acho que está muito bem. Creio que a única vez que usaram batimentos-relâmpago numa música foi quando fizeram a homenagem aos trinta anos do Frederico, e esses nem saíram das mãos do Tomás.

2. O Vermelho Eléctrico traz à memória a Escamação e a Exótica Maquinaria de Tortura, com um crescimento baseado numa frase de timbalões.

3. A Sangra, enfim, já toda a gente sabe o que é, e nem vale a pena gastarmos tempo em conversas sobre isso. É claramente uma música em relação à qual as palavras não podem expressar muito. Atenção, quem me mandar uma transcrição do solo que o Frederico faz nesta música, entre os índices 4:45 e 5:53, poderá também receber um exemplar original do Sol Negro por Dentro. Mas para tornar a tarefa ainda mais difícil (porque na verdade o que eu quero ver em pauta é o solo da Concatenação), neste caso terão de fazer a transcrição indicando em linhas paralelas o alinhamento do solo com a base rítmica da música, a tal imparável frase de fusas-semicolcheia-fusas. Ah, só preciso que indiquem os batimentos do pedal duplo, não se cansem com as notas dos pratos-de-choque e da tarola. O primeiro ou primeira a enviar-me a transcrição disto ou do solo da Concatenação para o meu correio eléctrico receberá, então, um exemplar original do Sol Negro por Dentro versão três ponto trinta e três, que já todos sabem quanto vale.

4. A Letárgica, como o próprio nome indica, é uma piscadela de olhos aos momentos mais meditativos do Nada: é a Obsidiana chapadinha em todo o seu esplendor negro.

5. O obZeno é como se fosse uma reformatação das Palhinhas Tiradas ao Calhas, mas sem aquela inesquecível catarse final que ainda hoje é capaz de tirar o sono a alguns, e portanto sem grandes elementos que o redimam.

6. Esta Serpente Cheia de Peçonha é uma espécie de mistura entre as cenas que fizeram no Nada e depois na Malha33, mas com um solo mais à moda da Esfera do Caos. Nada de especial.

7. A Óptica da Glande Pineal é um trabalho interessante pelo facto de explorar aqueles rifes industriais que o Frederico tanto gostava de fazer na Esfera do Caos. Tem também um solo curioso, exercido sobre uma base parecida com aquelas bases loucamente sincopadas (oh que saudades!) que eles faziam no [ai].

8. A Pravus é, bem se vê, uma depravação à maneira de algumas cenas que já nos tinham feito na Esfera do Caos, pensando por exemplo na Bocarra que Lambe o que Vós Haveis Sangrado... com o bónus de ter umas frenéticas cordas sujinhas só para enganar os fiéis.

9. E a Dançarinos Dançando sobre um Sistema Discordante já toda a gente conhece, é uma loucura de música que vai buscar as melhores cordas limpas do [ai] e da Malha33 e impinge sobre elas uma descarga total. A resolução estrutural provavelmente não será a melhor (oh, e como poderiam eles conseguir ultrapassar a Sangra?), mas o solo e o dedilhado final à moda do metal negro redimem a cena por completo. Contendo ainda algumas frases a belíssima voz de serpente recitante do Tomás, poder-se-ia dizer que esta música é na verdade uma espécie de compilação dentro da compilação que o obZeno constitui só por si.

De facto a única coisa de que continuo a ter saudades é mesmo de uma malhas supersincopadas como as que ouvimos no [ai] índices 3:35-4:51 e 12:01-14:07. Mas se calhar já estão reservadas para os próximos álbuns. Aí o trabalho da secção rítmica é tão louco tão louco que às vezes até dá vontade de chorar... e fará chorar certamente o aprendiz de baterista que tentar reproduzir ou sequer transcrever a pedalada do Tomás no primeiro dos segmentos.

Lia um dia destes numa destas críticas da internet que os Meshuggah são uma daquelas bandas que ou se ama ou se odeia. Pois eu só tenho pena, agora que anda tanta gente por aí a amar a massaroKa e a Marilina Manson, daqueles que não sentem nada ao ouvir estas colossais paredes de guitarra eléctrica, da mesma maneira que eu antes ouvia uma ópera como a Traviata e não sentia nada.

3.05.2008

Ele Há Tantas - Pt2

Ouvir!Mas é provavelmente por causa do chouriço que encontraremos já tarde da noite muitas peruas entoando este hino pelo Jam adentro e afora. Na verdade, um dos esparsos aspectos que redimem esta música da Vanessa da Mata é o facto de chamar a atenção para um interessante problema conversacional: como é que o pessoal formata as suas derradeiras falas numa relação, isto é, o que é que as pessoas dizem quando querem dizer ao seu interlocutor (ou especificamente ao seu companheiro) que não querem ter mais nenhuma conversa com ele nunca mais?

Trata-se de uma questão já abordada na literatura da especialidade, e que eu volta e meia me ponho a discutir com o meu amigo Michel.

Segundo a Vanessa da Mata, a maneira de dizê-lo em PB é desejando 'boa sorte'. Já no nosso PE, creio que uma das formas comuns de dizê-lo será com um menos assertivo 'espero que sejas muito feliz'.

Mas o que é interessante é que as mulheres portuguesas parecem detestar semelhantes usos para essas expressões. O que se compreende: quer dizer, por um lado encerram um voto de certo modo filantrópico e por outro expressam o desejo de nunca mais se ver aquela pessoa com quem se está a falar. Eu como homem (ou como rapaz, ainda de acordo com a tal menina da TAP) estou convencido de que um igréjio (sic) e cordial 'adeus' bastará na maior parte dos casos, muito obrigado.

Portanto a pergunta que persiste é a seguinte: a que propósito é que a bela da Vanessa me foi escrever uma canção descaracterizada sobre esse assunto?

Pá, realmente não percebo.

There Are So Many - Pt2

Ouvir!But it's probably because of the chouriço that you'll hear so many cougars on a crowded night at Jam singing out this anthem. Actually one of the few redeeming features of this song of Vanessa da Mata is that it draws attention to a somewhat interesting conversational issue: how do people make their absolute terminal speech exchanges, that is, what do they say to a person (or specifically their lover) when they want to verbalize that they do not wish to speak to that person ever again?

This an issue which has received some attention in the literature, and which I have been discussing recently with my good friend Michel.

According to Vanessa da Mata, saying 'boa sorte' is the right way to do it in BP. Now in EP, and this is debatable, I think one way of saying it is 'espero que sejas muito feliz'.

Now the interesting thing is that women usually hate these expressions because obviously they express two very different things: a somewhat philanthropic motto embellishing a disaffected intention of no longer wishing to see the person you're talking to. Personally as a man (or a boy, still according to that TAP hostess), I'm convinced that a cordial and religious 'adeus' will suffice, thank you very much.

So the question that subsists is this: why would Vanessa make an unremarkable song about such usage?

Boy, it sure beats me.

3.04.2008

Maria Dawn and the Literature Scene in Madeira

Ouvir!I recall when I was a boy, and I used to have these (ill-)literate afternoons with my good friend Vítor. We would laugh our rears off making fun of Maria Dawn and some not so eminent youngsters of the Madeira literature scene. Yeah, you know these larger than life pseudo-intellectual teenagers who think because they can pick up a book and read some Dylan Thomas and write a few stanzas they're already better than the whole world. That was who I am.

And while I might still be a boy (at least according to the TAP hostess who checked me in this week), the teen years are long gone, and by now I no longer appreciate in such graphic detail the great tirades of Mr. Mammarella of the mighty Monumentum. The few spiritual catharsis I now have is when I listen to Mr. Thordendal playing the solo in Bleed or Marta Hugon singing River Man.

I still make fun of Maria Dawn though, and me and some friends actually thought of writing together with her a Madeira TV soap opera. It would be the Madeiran answer to the Continental Morangos com Açúcar. And we thought of calling it Tabaibos da Ribanceira.

You can think of it as a juvenile version of the infamous Homens de Passagem which Gatos Fedorentos covered last year.

We already had part of the plot worked out, but of course a lot of it would be changed under the supervision of Maria Dawn. This is probably a good time for thinking about that production, now that everyone is looking forward to seeing what will come of Corte do Norte. I wonder whether this will be a total adaptation of the novel Agustina did, including repeating the scenes just like she accidentally repeats some of the chapters, he he!

But seriously, I've actually come to be grateful for all the work Maria Dawn does in promoting some of the arts and literature that come out of Madeira. And it saddens me that I am no longer up-to-date on the Madeira literature scene as I was as a teenager.

So I paid particular attention when she was on the news last week claiming that the modern stuff by Madeiran writers is mediocre aside for the editions subsidized by the 500 Years of Funchal. Not so bad: turns out I haven't been missing much on this side of the Atlantic.

Which makes me think that we really have to unite our forces and get together for that Tabaibos da Ribanceira feat. I'm sure the 500 Years of Funchal Comission would be more than willing to sponsor such a venture!