2.29.2008

Ele Há Tantas

Ouvir!Pois é, provavelmente a principal diferença entre as pessoas é que umas pessoas estão normalmente erradas ao passo que outras estarão erradas quase sempre. Sim, porque só por uma questão estatística não o podemos estar sempre. E, enquanto eu explicitamente me enquadrarei no segundo grupo, devo acrescentar à lista mais uns quantos.

Então não é que a bela da Vanessa da Mata tem esta música com o Bernardo Harpista alegando que há tantas pessoas especiais no mundo? Ah é? Bom, o que vale é ter pensamentos positivos!

Eu por mim seguiria mais a linha dos XPTO e diria, para começar, que "é chouriço".

There Are So Many

Ouvir!Right, I guess the main difference between people is that some are normally wrong whereas others will be wrong almost all the time. Yeah, because of course statistically we could never be wrong all the time. Obviously I fit the second group, and here I'll be pointing some names which should be dragged there too.

Turns out the beautiful and fresh Vanessa da Mata has this song with Benny Harper claiming that there are so many special people in the world. Right! Well, it's good there are people with such a great vibe though.

Or maybe it's more like XPTO claim in the beginning of their cover: "it's chouriço".

2.27.2008

Before the Devil Knows You're Dead

No novo filme do Sidney Lumet, Before the Devil Knows You're Dead, a Marisa Tomei faz o papel de uma brasileira. Uma brasileira como deve ser: morena, boazuda, casada com um americano gordo, feio, velho e nojento - o qual inevitavelmente trai. Vi o filme com alguma curiosidade, mas não pude deixar de me questionar a cada instante: o que terá levado os produtores do filme a escolher a Marisa Tomei? Terá sido o fato de não terem encontrado uma atriz brasileira que pudesse fazer o papel? É verdade, a Sônia Braga já não tem idade para essas coisas, depois de ter representado umas quantas putas em Hollywood. E essas moças todas tão bonitas que fazem parte da nova geração de atrizes brasileiras? Nenhuma delas teria talento para fazer um filme comercial norte-americano? Ou, talvez, inglês fluente? Ah, duvido. É possível que não tenham o green-card (coisa que a Marisa Tomei já deve ter há muito tempo). Mas por que a Tomei? Por que ela? A certa altura do filme, o marido gordo, feio, velho e nojento da Tomei promete que vai para o Brasil, sim. A Tomei duvida. Duvida até que o homem sequer saiba a língua que se fala no Brasil (a despeito de estarem casados há mais de 15 anos no filme). O homem, para provar que é inteligente, responde na hora: português. Estaria aí a pista, a justificativa enfim para a presença da Tomei naquele filme? Teriam escolhido a Tomei por conta da língua? Claro, era isso! A meio de um filme tão sério quanto quer ser, não pude deixar de rir. Quer dizer, esses americanos em Hollywood não têm mesmo noção de nada. Talvez tenham julgado que a Marisa Tomei convenceria um (improvável) público exigente por conta do... sotaque. Afinal, quem fala português - independentemente da variedade - deve ter o mesmo sotaque quando está falando inglês. E por aí caminham em erro as generalizações.

Aqui há dias conversava com um amigo meu acerca do perigo por trás da inocente pergunta: "de onde você é?" - comumente feita nos mais variados contextos em um primeiro mundo tão cheio de estrangeiros. Eu geralmente respondo "do Brasil", para logo em seguida ouvir algo do tipo "cool". Deve ser por conta do carnaval, eu não sei. Ou do futebol. Ou então por conta das mulatas gostosas, das praias tropicais, da música axé. Quase de imediato começo a ver em mim tarjas: eu sou brasileiro e tudo aquilo que um brasileiro representa para o comum dos cidadãos europeus. Malandro. Bom de bola. De ginga. Preguiçoso. Bom de cama. Desonesto. Festivo. Extrovertido. Impolido. Provável imigrante ilegal. Não é à toa que os oficiais de imigração sempre me param cheios de desconfiança. Olham para mim, para o passaporte, para mim de novo, para a foto no passaporte, para a capa do passaporte, para cada folha no passaporte. E as pessoas na fila atrás começam a ficar ensimesmadas, naturalmente. Porque há ainda o fato de serem os passaportes brasileiros dos mais falsificados do mundo e de termos muitos de nós, como o Jean Charles de Menezes, as feições dos beligerantes árabes. Um árabe em aeroporto é sempre um perigo em potencial. Em estações de trem também. Às vezes penso o que haveria de ser se respondesse aos inocentes curiosos de cá que sou do Afeganistão. Sairiam correndo? Um dia eu experimento... O certo é que, a despeito de tudo isso, estamos aí. Aqui. A brasileira no filme do Lumet sonha em voltar para o Brasil, qual Iracema numa música do Chico Buarque. Talvez, enfim, seja isso que nós os brasileiros somos, afinal: um povo necessariamente em diáspora. Aqui, ali. Buscando o paraíso antes que o diabo saiba que estamos mortos.

2.22.2008

Porque deveis vós amar o Frederico Thordendal?

Ouvir!Porque ele é um génio da guitarra eléctrica contemporânea. Porque, além disso, tem cara de extraterrestre, e porta-se como se estivesse bem ciente desse facto.

Mas, essencialmente, porque, de cada vez que faz um solo, consegue traduzir um pouco dessa beleza alienígena para sons humanamente inteligíveis e trazer-nos algo acerca de que, conceptualizando num daqueles chavões chatos e mal batidos, se poderia dizer que nos faz rir por dentro. Sim, porque se nos fizer rir por fora enquanto vamos no metro a curtir o solo da Z1-Reticulados com uns Zen-nheiser HD 25-1, então o pessoal vai pensar que marámos de vez e que nos tornámos iguais a ele.

Este amigo declarado do ácido lisérgico é dono de uma sensibilidade musical sem par. Como diriam alguns, ele tem ouvido. Mais do que isso, tem dois, e usa-os de modo singularmente original para tocar viola, produzir os álbuns dos outros e dar uns toques de bateria.

Veja-se o já celebérrimo solo que ele produz na Dançarinos Dançando ao Som de um Sistema Discordante, iniciado no índice 6:29 da faixa e culminado na malha-mãe da música, índice 7:29. Esta música, justiça lhe seja feita, é um autêntico hino do metal contemporâneo. Enfim, já tínhamos tido as catarses finais das Palhinhas Tiradas ao Acaso e o resultado da Soma, a apoteose final da Malha33, mas nada nos havia preparado para isto.

Bom, e o que dizer da malha inicial da mesma música, com aquela frenética frasezinha por sobre as etéreas esparsas cordas limpas que ele tem vindo a aperfeiçoar desde o Destrói Apaga Melhora?

Mas acima de tudo agradam-me muito as malhas dançantes do Sr. Frederico. Como poderemos nós esquecer esse solo, de 1997 mas ainda revolucionário pelos padrões guitarrísticos de hoje em dia, que dá pelo nome de Baloiçando num Poço sem Fundo?

Mas nem é preciso ir tão longe. Ouçam-me só os primeiros dez segundos da Combustão. Dizer que este gajo tem 'groove' (inglês para crescimento) será apenas um desajeitado eufemismo.

Que dizer então da Sangra? Sim, já conhecíamos estas guitarras esgalhadas do Cazares e companhia da Fábrica do Medo, estilo aliás que devem ter ido beber originalmente do Frederico fase Nenhum (não se esqueçam, meus amigos, que a Desmanufactura só saiu em 1995, ao passo que o Nenhum já era de 1994). Mas criar toda uma estrutura melódica complexa em cima de uma frenética e imparável (sete minutos!) base semicolcheia-fusas-
semicolcheia, isso já é uma história completamente diferente! É o crescimento da Fábrica do Medo elevado ao cubo.

Será outrossim uma estúpida perda de tempo querer comparar o trabalho do Frederico ao de qualquer outro guitarrista vivo ou defunto da cena do peso, tirando eventualmente o Ronaldo Jarzombeque, que por vezes se emaranha tanto nas suas elucubrações teóricas que aquilo passa a ter uma piada do caraças. Sim, o Frederico é um dos mais iluminados discípulos holdsworthianos, não haja dúvida, e com o grande mérito de ter vindo trazer ao metal essa herança que o Shawn Estrada soube levar a outras paragens.

Mas o solo do Frederico que me deixou mais banzado até hoje, apesar de só ter vinte e seis segundos, é o que ele faz na Concatenação. Não consegui transcrever nem sequer o que o baterista está a fazer nesses compassos, não obstante tratar-se de um aparentemente normal 4/4. E desafio qualquer um(a) a apresentar-me uma transcrição em pauta devidamente fundamentada do solo que ele faz com a guitarra eléctrica durante esses vinte e seis segundos.

Pagarei então ao primeiro, ou primeira, que me enviar por correio electrónico essa transcrição com um exemplar original do Sol Negro por Dentro versão três ponto trinta e três, que, vejam bem, neste momento está avaliado em mais de cento e cinquenta euros.

Enquanto não o fizerdes, amai, pois, o esplendor guitarrístico do Frederico e dissecai de ponta a ponta as inovadoras técnicas de controlo com que ele nos tem vindo a presentear nos seus trabalhos.

2.21.2008

Spit & Run!

Se tomar um ônibus no condado de Fife com a intenção de cuspir o mal-humorado motorista e sair correndo, atenção: todos andam armados com um kit da genética mais avançada para, a partir de uma gotícula da nojenta saliva, identificar o vândalo e talvez localizá-lo, sei lá, por radar. É a tecnologia a favor dos motoristas de ônibus e contra o anonimato do irado cidadão comum. O Reino Unido orgulha-se de ter o maior número de câmeras instaladas em lugares públicos no mundo. Cada passo que se dá na ilha é monitorado e registrado. O Orwell, além de bom escritor, foi profeta.

Outro dia, um escândalo. Distintos senhores ingleses foram condenados por atos obscenos em banheiro público. Desavisados, não sabiam que, enquanto as esposas cozinhavam em casa inocentes pudins de rim, estavam sendo filmados fazendo aquilo que não podiam fazer com as prendadas mulheres! Quer dizer, os senhores julgavam - com alguma razão - que estariam ali mijando na mais inacessível privacidade. Vêm uns guardiões da moral e dos costumes que julgam bons e filmam tudo às escondidas? Então sexo em lugar público é ilegal mas invasão de privacidade não é? Tudo isso faz-me lembrar aquela canção que o Raul Seixas compôs Para Nóia: "vacilava sempre a ficar nu lá no chuveiro, com vergonha de saber que tinha alguém ali comigo vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro". Mas o Raul Seixas falava de Deus, um ser temerosamente onipresente.

Eu já ando pelas ruas desconfiado. Olho para prédios, árvores: tenho a certeza de que me estão me viajando e isso me assombra. Não que esteja pronto para cometer um crime na próxima esquina. Entretanto, o fato de estar sendo vigiado por um ser onipresente (quiçá onipotente também) faz-me pensar que já não há nenhuma vantagem em ser ateu! Uma das características da paranóia é mesmo essa: a idéia de que se está sendo perseguido. Essas câmeras escondidas podem nos pôr a todos paranóicos, porque nunca haveremos de saber se estamos sendo perseguidos de fato ou não. E a vontade mesmo é de cometer um ato vândalo, para ao menos justificar a existência das câmeras, o dinheiro gasto para instalá-las e mantê-las em funcionamento. Portanto, da próxima vez que vir uma câmera de circuito fechado, não pense duas vezes: cuspa. E corra.

2.17.2008

Mauro Ramos' Extended Drum Solo, Templários, 13.02.08, 5*

Ouvir!A great deal has been written about XPTO's recent anniversary... which was duly and fully celebrated in Templários last week. Yes, it's already been eight years! And the boys really deserved such an enthused celebration.

Today I will indulge in talking about XPTO's youngest talent: Mr. Mauro Ramos. Yes, he's the man behind the drum duties. Well, also some of the vocal ones, but I will not review them here. Well, at least not today.

Boy, have we got drummer! Sporting a very relaxed posture, this young cat clearly stands high and proud among the minuscule Portuguese drummers community. Okay, maybe as much as Mr. John Wolfe stands out in the jazz department, I'll grant you that.

But he's no stranger to anyone in the know. So what I want to discuss here is the structure of the solo he presented in Templários last week. It has to be the favourite solo I've heard of him.

I have seen several (I'd say dozens) of extended solos of Mauro in the past but no one striked me as ingenious as this one. Okay, maybe a 10-minute one he did in Wallstreet some years ago but I don't recall that one so very well.

I am also the proud owner of his DVD but of course the solos there cannot serve as matter of comparison because they're staged. One good published example (albeit very small) is his well-known feat in the old Herman José show.

But last week he really kicked major ass in that solo of his. So let's go throughtout the structure:

i) safe swing to heat things up

ii) snares off: very tasty build-up part with flam phrases on the snare (great!)

iii) 'percussive orchestration' kind of solo part (still snares off)

iv) snares on: starting with big pocket phrase then rapidly building into a

v) 'limb independence limits exploration' solo part akin to some Dennis Chambers or Marco Minnemann you've heard or seen, then slowing down and initiating a

vi) crescendo transition with great double bass control which then lead to his recent

vii) kinda drum'n'bassy groove in superfast mode

viii) culminating in the final crescendo with great double bass and full crash cymbal takeover then

ix) ending in randow snare-crash hits

Very, very good! It sure deserved a very loud round of applause!

Actually, one thing I think Mauro should have covered in his DVD is his foot technique. Yeah, you know Thomas Lang was also pointed that regarding his first DVD and then he took it so seriously to the point of naming the second part of his second DVD Advanced Foot Technique. And that thing, my drummer friends, is mandatory viewing for anyone who wants to be modern regarding drum foot technique.

But maybe Mauro was already thinking of that. Yes, Mauro, if you're reading this, please include some episode about foot technique in your second DVD. Thanks!

2.06.2008

Gentileza

Ouvir!In 1961, a big fire destroyed an American circus in Rio de Janeiro. Lots of people died (more than 500, mostly children). It was considered to be one of the most tragic accidents that happened in the world of circus. A few days later, on Christmas Eve, a 44 years old man arrived in the place where the accident took place in one of his many trucks. He claimed he heard voices in that very morning telling him to abandon everything he had and to dedicate himself to a more spiritual world. So he decided to base himself in that site to console the parents of the victims, giving them wine and other goods. He lived in that place for almost four years, disseminating kindness and love, never asking for anything in return. His name was Jose Datrino, but people started to call him Jose of Kindness.

After leaving that place, known as Kindness Paradise after Jose Datrino, he started to walk around the streets of Rio as a prophet. He was an old man, with the appearance of a biblical prophet, a long white beard, a long tunic, and Franciscan-style sandals. He carried in his hands two tablets of written prophecies, like those of Moses. He approached people who passed in cars and on sidewalks, but he didn’t ask for anything, and instead offered them words of love, flowers, and compassion during more than three decades throughout the streets of Rio de Janeiro.

Jose Datrino became known as Profeta Gentileza (Prophet of Kindness), then, and part of his preaching consisted in writing his message on the pillars of a big viaduct in Rio. That way, in the middle of the confusion, indifference, selfishness, and violence of the big city, all passersby could read in that giant urban display, sentences such as: KINDNESS GENERATES KINDNESS, DON’T USE PROBLEMS, DON’T USE POVERTY, USE LOVE, or even KINDNESS IS THE MEDICINE FOR ALL DISEASES.

Since 1996, after Prophet Gentileza’s death, his murals became orphans, without any kind of care. The murals deteriorated a lot and ended up covered with a layer of gray paint, by the Rio de Janeiro Urban Cleaning Company. The song Gentileza (Kindness), by Marisa Monte, contained in her 2000 album Memories, Chronicles and Declarations of Love is about this unfortunate episode:

They have erased it all
They have painted everything gray
The word on the wall
Is covered with paint
They have erased it all
They have painted everything gray
On the wall there is only
Sadness and fresh paint
Through the streets of the city
We deserve to read the letters
And the words of Gentileza
For this I ask
You in the world
Which is more intelligent
The book or the knowledge?
The world is a school
Life is a circus
Love is the word that liberates
So spoke the prophet

Gentileza was proud of his writings, as the pictures suggest. Why wouldn't he be? From a grammatical and philosophical or literary viewpoint, his writings may not have stood as a significant contribution. But what is more intelligent: the book or the knowledge?

The criticism to modernity is not a monopoly of the masters of academic thinking, like Freud with his Civilization and Its Discontents, or Horkheimer with his Eclipse of Reason, or Habermas with his Knowledge and Human Interests or even with the philosophical production of a later Heidegger. Prophet Gentileza, representing the popular and cordial thinking, arrived to the same conclusions of those masters. He was even more direct than them as he proposed an alternative: kindness as the irradiation of care and essential tenderness. This paradigm has more chances to humanise us than that that burned with the circus in Rio: the spirit of geometry, the knowledge as power e the power as domination over people and nature.

The subject of kindness offers us a way of awakening from the attitudes of indifference that surround us. Gentileza used to preach fraternal love and urged people to devote their attentions to others and create intimacy with each other.

2.02.2008

The Prosody of EP Expressive Speech - Volume Dynamics in Direct Complaints

Ouvir!F**a-se, quase dois meses sem dizer nada, pá? Quase dois meses sem dizer nada? F**a-se, quase dois meses sem dizer nada, ca**lho?