No novo filme do Sidney Lumet, Before the Devil Knows You're Dead, a Marisa Tomei faz o papel de uma brasileira. Uma brasileira como deve ser: morena, boazuda, casada com um americano gordo, feio, velho e nojento - o qual inevitavelmente trai. Vi o filme com alguma curiosidade, mas não pude deixar de me questionar a cada instante: o que terá levado os produtores do filme a escolher a Marisa Tomei? Terá sido o fato de não terem encontrado uma atriz brasileira que pudesse fazer o papel? É verdade, a Sônia Braga já não tem idade para essas coisas, depois de ter representado umas quantas putas em Hollywood. E essas moças todas tão bonitas que fazem parte da nova geração de atrizes brasileiras? Nenhuma delas teria talento para fazer um filme comercial norte-americano? Ou, talvez, inglês fluente? Ah, duvido. É possível que não tenham o green-card (coisa que a Marisa Tomei já deve ter há muito tempo). Mas por que a Tomei? Por que ela? A certa altura do filme, o marido gordo, feio, velho e nojento da Tomei promete que vai para o Brasil, sim. A Tomei duvida. Duvida até que o homem sequer saiba a língua que se fala no Brasil (a despeito de estarem casados há mais de 15 anos no filme). O homem, para provar que é inteligente, responde na hora: português. Estaria aí a pista, a justificativa enfim para a presença da Tomei naquele filme? Teriam escolhido a Tomei por conta da língua? Claro, era isso! A meio de um filme tão sério quanto quer ser, não pude deixar de rir. Quer dizer, esses americanos em Hollywood não têm mesmo noção de nada. Talvez tenham julgado que a Marisa Tomei convenceria um (improvável) público exigente por conta do... sotaque. Afinal, quem fala português - independentemente da variedade - deve ter o mesmo sotaque quando está falando inglês. E por aí caminham em erro as generalizações.
Aqui há dias conversava com um amigo meu acerca do perigo por trás da inocente pergunta: "de onde você é?" - comumente feita nos mais variados contextos em um primeiro mundo tão cheio de estrangeiros. Eu geralmente respondo "do Brasil", para logo em seguida ouvir algo do tipo "cool". Deve ser por conta do carnaval, eu não sei. Ou do futebol. Ou então por conta das mulatas gostosas, das praias tropicais, da música axé. Quase de imediato começo a ver em mim tarjas: eu sou brasileiro e tudo aquilo que um brasileiro representa para o comum dos cidadãos europeus. Malandro. Bom de bola. De ginga. Preguiçoso. Bom de cama. Desonesto. Festivo. Extrovertido. Impolido. Provável imigrante ilegal. Não é à toa que os oficiais de imigração sempre me param cheios de desconfiança. Olham para mim, para o passaporte, para mim de novo, para a foto no passaporte, para a capa do passaporte, para cada folha no passaporte. E as pessoas na fila atrás começam a ficar ensimesmadas, naturalmente. Porque há ainda o fato de serem os passaportes brasileiros dos mais falsificados do mundo e de termos muitos de nós, como o Jean Charles de Menezes, as feições dos beligerantes árabes. Um árabe em aeroporto é sempre um perigo em potencial. Em estações de trem também. Às vezes penso o que haveria de ser se respondesse aos inocentes curiosos de cá que sou do Afeganistão. Sairiam correndo? Um dia eu experimento... O certo é que, a despeito de tudo isso, estamos aí. Aqui. A brasileira no filme do Lumet sonha em voltar para o Brasil, qual Iracema numa música do Chico Buarque. Talvez, enfim, seja isso que nós os brasileiros somos, afinal: um povo necessariamente em diáspora. Aqui, ali. Buscando o paraíso antes que o diabo saiba que estamos mortos.
2.27.2008
Before the Devil Knows You're Dead
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