5.27.2008

Navegaire

Ouvir!Os filmes de Paul Morrissey, produzidos por Andy Warhol, são fontes de alacridade. Considerem, por exemplo, o Heat (1972). Paródia do clássico Sunset Boulevard, este filme é absolutamente histérico. Ícone do cinema underground, o Heat está caracterizado pelas atuações despojadas, a óbvia falta de recursos e uma edição aparentemente descuidada. Quer parecer um filme de amador; e aí reside o seu grande trunfo: não é. Entretanto, não quero aqui me concentrar nas qualidades técnicas e conceptuais do filme. Estou mais interessado é nos diálogos. Os diálogos em Heat são deliciosos! Um exemplo é a conversa que tem a Sally Todd com a filha, que vive com o seu bebê e uma amante num quarto de motel:

Sally: ...And you're NOT a lesbian. I mean, everybody has girlfriends. Men have friends, women have friends. That doesn't make you a lesbian. Do you sleep in the same room with her?
Jessica: Sure. How else can I be a lesbian?
Sally: Where does Mark sleep?
Jessica: With us.
Sally: In the same bed?
Jessica: In the same bed.
Sally: Is that a way to bring up a boy? He'll be a lesbian!


Essa lassidão e nonsense conversacional vem certamente do Warhol, que era a encarnação da porra-louquice natural. Há nos diálogos de Heat uma despreocupação lógica, um desapego a fórmulas, uma desatenção a regras de coesão, coerência, gramática, semântica formal, moralidade e o escambau. As personagens falam em Heat pelo puro prazer de falar.

É possível que estivessem todos chapados, o que só corrobora a minha impressão de que seríamos muito mais divertidos se vivêssemos para sempre chapados (viva a Dinamarca, viva Christiania!). Assim, por exemplo, tivemos eu e o Angelus conversas extremamente iluminadas sob o efeito do ácido lisérgico, algumas das quais estão registradas em páginas e páginas engavetadas aqui e ali. Quando, entretanto, nos pomos a discutir morfo-sintaxe, sóbrios, o resultado é uma chatice sem fim.

Eu aqui concordo com o Arnaldo Baptista: deviam mas era instalar núcleos habitacionais menores, já que a luz é relativa também.

5.22.2008

Dimitri e o Cão Raivoso

Ouvir!Vanity of vanities, saith the Preacher, vanity of vanities; all is vanity. [...] All things are full of labour; man cannot utter it: the eye is not satisfied with seeing, nor the ear filled with hearing. The thing that hath been, it is that which shall be; and that which is done is that which shall be done: and there is no new thing under the sun. Is there any thing whereof it may be said: See, this is new? It hath been already of old time, which was before us. There is no remembrance of former things; neither shall there be any remembrance of things that are to come with those that shall come after. ~ Eclesiastes 1, versão do Rei Tiago

Vem o Dimitri e diz-me que a minha exposição não foi nada de especial. Tem razão o Dimitri, o problema é que ele não sabe porque é que não foi nada de especial. Mas ele diz que gosta de mim, embora eu lhe faça perguntas directas sobre técnica e sobre os livros de fotografia que (des)conhece, às quais torna com evasivas ou desajeitadas digressões tipo 'o Miguel, o meu mano que está ali, que provavelmente sabe muito mais disto que nós, é que devia falar sobre isso'. Sabe sabe, e é sempre bom pôr uma primeira pessoa do plural para embrulhar bem a coisa.

Eu detesto ter de fazê-lo, foda-se, já pareço a porra do velho do Restelo, mas é por culpa de todos os Dimitris que o país anda como anda. Que se convidam grandes cosmopolitas como o Nick Knight para retratar algumas PPPs (personalidades portuguesas proeminentes), como se não houvesse aqui fotógrafos capazes de fazê-lo. Claro, num país de fotógrafos em que nenhum deles sequer sabe quem é o Jorge Molder, quem é o Nozolino, quer dizer, não admira que se façam coisas dessas. Como se alguém convidasse o Molder para ir retratar a rainha! Convidar o Nick Knight, por um balúrdio, para fazer representar o nosso país acaba por ser um retrato social bem profundo daquilo que somos, com0 aliás já disse o João Pinto e Castro.

E é neste país de poetas, como a nossa referida Maria, que nos dão belos romances como os Homens de Passagem, que depois se vem dizer que ninguém escreve bem na Madeira excepto os que agora se publicam no Funchal 500 Anos, quando conheço eu escritores madeirenses que escrevem quinhentas vezes melhor do que alguns desses e não conseguem ser editados. Pois que se publique ela própria em trezentas edições especiais da sua novela, ora porra!

Mas eu vou-me calar, até porque não vou ser mais um portuguesinho ressabiado, que a única coisa que sabe fazer é dizer mal dos outros. Dêem-me só este momento de catarse à moda dos Tool, e permitam-me que lhes diga que jamais me adaptarei a otários como o Dimitri, que nunca sequer conheceram um fotógrafo a sério, não percebem nada de técnica nem sabem interpretar uma fotografia, e que, se alguma vez tivessem aprendido alguma coisa, tornariam a copiar no primeiro momento as coisas que vêem vender lá fora.

Para cada um desses artistas copiarei eu as auspiciosas palavras da Estamira, que, essa assim, sabe mais do que todos nós: 'vai para o car**ho, vai levar no cu'! Para o car**ho, pá, para o car**ho, quinhentas vezes para o car**ho, seu cabrão de merda! Ou pondo simplesmente em inglês, para ser cosmopolita como o outro, e como dizia o Reverendo Maynard na sua célebre canção: 'Fuck you, buddy!'