8.15.2009

O Miradouro do Radar

Localizada no extremo este da ilha da Madeira, está a Ponta de São Lourenço, península com cerca de 9 km de comprimento e 2 km de largura, que, devido a sua fauna, flora e herança geológica peculiares, foi, em 1982, declarada Reserva Natural Nacional. O conjunto daquela parte da ilha é completamente diverso do que eu já tinha, até então, presenciado. A começar pelas cores: a terra quase rubra, mas escura: marrom. E uma vegetação rasteira, constituída quase que exclusivamente por matorral xerofítico do litoral, mas muito degradado. A impressão que se tem ao final de algum tempo de caminhada é a de que o lugar foi completamente devastado por um incêndio. Sara ia à nossa frente, muitíssimo desinteressada em o que quer que estivéssemos falando.

Nos idos da colonização da Madeira, o excesso de arvoredo que havia na região trouxe problemas para a agricultura. A única maneira que encontraram para resolver a questão foi deitar fogo ao mato, que ardeu num braseiro incontrolável: conseguiram-se clareiras, mas durante sete anos houve focos de incêndio na ilha que ninguém conseguia dominar. Quando soprava o vento do norte, as gentes do Funchal tinham de fugir para os barcos e fazer-se ao largo, de tal maneira era o calor insuportável.

Na saída da reserva natural, encontramo-nos todos: Pedro, Tia Eva, Sara, Tio Genaro, Tia Valentina, Sebastião, Angelus e eu: queríamos ainda parar um instante na Prainha da Ponta de São Lourenço, a única praia da Madeira feita de areia (ainda que escura). O dia não estava muito propício para banhos, e como estivéssemos todos com fome, só mesmo restou a lembrança daquela paisagem árida, pintada de amarelos, castanhos e laranjas, bastante longe dos verdes que a ilha habitualmente oferece. Eu estava particularmente excitado ante a perspectiva de experimentar as tais famosas castanhetas, tão prometidas por Angelus. As melhores estão na vila do Caniçal, ali mesmo perto.

Reservamos uma mesa comprida o suficiente para nós os oito, mas Sara desaparecera. Primeiro vieram os caracóis marinhos, que sabem a nada que não ao mar mesmo. Quando os alfinetes já estavam perdidos pelos quatro cantos, chegaram as lapas, deliciosamente bem preparadas, e o pão caseiro. A cerveja era farta. Tio Genaro ria o tempo todo, e a alegria era também evidente no rosto de Tia Valentina. Os dois encarnavam o deleite. A seguir, as castanhetas.

A castanheta, cientificamente conhecida por Chromis luridius, é um pequeno peixe de apenas 15 cm de comprimento no máximo, que habita substratos marinhos rochosos, tais como as zonas de calhaus. Dadas as pequenas dimensões e a sua especial susceptibilidade, tem-se feito um grande esforço para evitar a sua pesca. Entretanto, é ainda possível comer um bom prato de castanhetas fritas na vila do Caniçal. Eu nunca provei em toda a minha vida peixe mais saboroso, embora tenha de admitir que o conhecimento da possibilidade de extinção dessa espécie talvez é o que lhe confere, enfim, o sabor especial. Come-se com a mão, como tantos outros pratos da ilha.

Mais cerveja. Sebastião propositadamente derruba o copo de Tio Genaro, e a preocupação momentânea substitui a alegria: a roupa molhada, um copo partido, os guardanapos de papel por todo o lado, a satisfação de Sebastião. O próximo e último prato seria de pargos.

Sara nos esperava no carro. Parecia cansada. Sem planos de explicar o que quer que tinha feito enquanto comíamos, massageava ritmicamente as pernas. Todos iríamos agora no carro de Pedro, primeiro para a Baía de Abra, depois para o Miradouro do Radar. Angelus segurava a máquina e fazia fotos ininterruptamente. Tia Eva e Tia Valentina pareciam muito pouco à vontade.

Não estávamos suficientemente interessados na Baía de Abra com os seus banhistas sonolentos para que lá ficássemos mais do que alguns poucos minutos. Partimos em direção ao Miradouro do Radar, onde, segundo Pedro, poderíamos ter uma das mais belas visões da Ponta de São Lourenço. A estrada era bastante irregular, de sorte que os que estávamos atrás do jipe tínhamos de nos segurar bastante bem para que não fossemos arremessados para fora.

O lugar, tal como Pedro prometera, era impressionante. Descemos todos e cada um foi para seu lado no miradouro, como se buscássemos qualquer coisa: o ângulo mais privilegiado, uma surpresa, a razão de termos feito todo aquele caminho no desconforto. De repente, por um motivo que já agora não recordo (se é que ali mesmo tenha sabido), todos começamos a rir. Tio Genaro abriu os braços: o vento era selvagem. Angelus registrava tudo, mas depois pareceu se perguntar: o que de fato registrara?

2 comentários:

Anónimo disse...

Testemunho a beleza real deste texto.
Aguardo ansiosamente por um livro, quando sai?

Maggiore disse...

Captou a mutabilidade demasiado veloz de si próprio e do (seu) mundo mas fatalmente irregistável, se assim se pode dizer...