11.26.2009

Era O Sedutor, E Detestava

Querida Odileiz,

Há uma regra entre as minhas irmãs e algumas primas que consiste basicamente em manter o contato social ativo. Uma estratégia de que fazem uso para tal é a reunião para assuntos cosméticos, em que se ajudam a cortar as unhas, lixar, pintar as unhas, alisar os cabelos, fazer as sobrancelhas. Tudo isso é feito num espírito de muita camaradagem. Põem todos os assuntos em dia e ainda sobra tempo para muita, muita maldade. Mas não é uma maldade que tenha o propósito de destruir; o propósito, muito pelo contrário, é de edificar os laços que procuram manter, através do humor. Graça é particularmente muito boa nisso, e até eu me divirto.

Querem saber se em Portugal/ Querem saber tudo o que podem, mas não fazem perguntas muito diretas. Eu então sou ainda mais vago em minhas respostas. Iuska vê cada uma das fotos com cuidado, mas o resto de minhas irmãs estão interessadas numa revista feminina que traz um teste para revelar como andam sexualmente as que se habilitam a fazê-lo. Há gritos. As perguntas são feitas quase como quem lê receita de bolo. As respostas de Kátia são balbuciadas, que ela morre de vergonha. Iuska insiste que o perfil direito de Tiago é muito mais fotogênico e que Rita parece ser no mínimo dez anos mais velha. A Tânia é bonita, mas há algo de errado com o nariz da Mafalda. Graça anuncia: Kátia anda numa fase sexualmente explosiva; é melhor ter cuidado.

Depois há uma pequena reunião na cozinha para o café. É a minha mãe agora que começa a me comparar com Lucas. De fato, somos bastante parecidos. Eu, como ele, aprendi a ler muito cedo e muito rapidamente. Como ele, eu quase não tinha amigos na escola, embora tivesse uma imaginação muito fértil. Escrevia livros de páginas costuradas, fazia teatro com bonecos de borracha, era professor ou o que fosse, desde que pudesse manipular quem estivesse participando do jogo. Eu era o sedutor, e detestava ser seduzido. Fátima recentemente chegou a essa conclusão. Entretanto era sobre o café e a conversa de minha mãe que falávamos.

"Lopes gostava muito dele, Verônica." Minha mãe segurava um bordado antigo e verificava uns detalhes perdidos no tempo. "Um dia - repara como eu fiquei furiosa - ele foi à loja e disse: escolhe o que quiser. Sabe o que ele escolheu?" Verônica olhou para mim e percebeu tudo. Já não lembro, exceto de uma roupa marrom com bolinhas amarelas. Eram amarelas, eu creio. Mais café.

No terraço, discutiam à solacapa o livro da Nan Goldin. Ilka parece revoltada; Iuska, indiferente; Graça, curiosa. Não é o tema do livro que parece ser/ Eu gosto de ver a reação dos que vêem/ Melhor, gosto de saber o que pensam do livro. No final, o livro volta à minha mão e Ilka não consegue entender muito bem porque Verônica continua trazendo pãzinho assado e café, mais café.

Não há motivos para preocupação, disse a médica sorridente, com a cara de quem anuncia um tumor do mal. Eu não sinto nada. Mas nem sempre as mãos/ Então é por isso que depois de amanhã preciso fazer tudo o que for preciso para provar que ela está certa. Mas ainda há mais, muito mais. Iuska olha para adiante como quem espera o resultado.

Beijos.

Recife, 25 de Novembro de 2002, 19:56h

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