É claro que a culpa é minha. Ela, ela obviamente não podia dar valor a nada daquilo. Ah, e como são chatos estes advérbios de afirmação! Como posso eu pretender dizer alguma coisa no meio de tanta merda? Antes ainda me valia a desculpa da métrica, o raio da métrica, cinco, seis, sete, agora nem isso. De qualquer modo, não poderia nunca dançar com ela. Ever.
Por isso, ponho-mo simplesmente a contar os dias e a juntar as letras das canções mais tristes que conheço. Pois é, mas não vale a pena ser obsessivo. Mais vale tomar um copo com os amigos e exercitar a melancolia de um modo artístico, ainda que para arte não baste o exercício. Ah, well.
A janela está aberta, o martini vai a meio. Nada como bebê-lo numa tardes destas. Sim, porque de noite já de nada serve e de manhã só por mero capricho. Oh, que nos valham ao menos esses caprichos, e que ponham na boca de todas e de todos estes monotongos declaradamente britânicos e na boca de mais uns quantos umas quantas tiradas contra o consumismo. Venham todos, venham todos, para que possamos cantar em conjunto a grande gangrena cósmica e mais todos estes nomes e adjectivos! De facto, de que serve o silêncio? Quem foi que disse que ele é de ouro? Ah, sim, já sei. Mas não podemos ir buscar maus exemplos, o objectivo é fazer algo de novo.
Os Dois Pontos têm de ir mais longe, não se podem ficar pela superfície. A melancolia é apenas uma desculpa para o narcisismo, e já chega de exercícios.
Avancemos, então, para os dois pontos que dão título a este número, usando até um plural de conveniência, para que a coisa fique mais bem disposta.
Como sabemos, a Martini gasta muito dinheiro em publicidade. Numa das suas campanhas mais recentes, teve de pagar à Gwyneth Paltrow, que por acaso também anda por aí nos cartazes do Corte Inglês (não, desculpem, do El Corte Inglés) e é dona de um sorriso deliciosamente horizontal. Deixando, no entanto, as abstémias, o cartaz de que lhes vamos falar é este. Foi lançado pouco antes do Verão, a par de uma nova campanha televisiva. Só é pena que se tenham esquecido da Internet, para divulgar este novo expoente da filosofia Viva la Vita. Enfim, trata-se de um produto clássico, e em virtude disso terão pensado que não fazia grande sentido trazê-lo para este meio tão vanguardista.
Na nossa opinião, este anúncio é destinado a um público-alvo entre os vinte e os quarenta anos, e isto para não sermos muito largos, porque há por aí muito boa gente de menor e maior idade capaz de apreciar semelhantes bustos. Na verdade, se tivermos em conta que um dos seus objectivos mais imediatos é fazer com que o público se identifique com as personagens retratadas, chegamos à conclusão de que o público-alvo é todo aquele que se encontre em idade sexualmente sugestionável.
Se olharmos com atenção, vemos que os modelos não estão vestidos de forma casual: pelo contrário, representam a juventude no que tem de mais esbelto e economicamente bem sucedido. No fundo, é um jogo de sedução ao quadrado. Por meio de um simples martini, não só nos tornamos pólos de sedução tremendos mas também nos podemos equiparar aos homens mais bem sucedidos da nossa geração.
O carácter clássico do anúncio encontra-se consubstanciado no facto de ser o homem a segurar o copo, sendo também ele quem chama a atenção. Outra escolha não seria possível. Podemos até imaginar os produtores da campanha, olhando de soslaio para quem quer que fosse que ousasse apresentar um tipo de abordagem mais feminista.
Contudo, apesar de todo este classicismo, vemos que aquilo que o senhor à direita está a beber não é um verdadeiro martini, mas antes um qualquer martini que um qualquer frequentador de piscinas de quinta ou sexta categoria poderia beber na esplanada da mesma, com os calções ainda a pingar. Isto significa que a Martini aposta na acessibilidade, como também já havia observado o nosso amigo Alexander Rieder, a propósito de uma outra campanha que saiu na televisão: «The commercial tells us that Martini's prices are not exorbitant. Everybody can afford one glass, or even one bottle in order to celebrate or maybe to forget.»
De volta aos produtores: não queremos de modo nenhum ser elitistas, não queremos veicular misantropia, seja de que tipo for. Pois não. O martini é uma celebração, é um câmbio, não pode estar associado a coisas trágicas. Pois não, a não ser que alguém deixe cair o copo por acidente, como que forçado a sair do jogo. Nesse caso, não há nada a fazer. As coisas deixam de bater certo, o Gianni já não chega à esplanada a tempo, a Sofia perdeu o barco e de repente ficaram todos com um ar demasiado sério. É então que se começa a ouvir o pobre do Renske, lá do fundo da Suécia, a perguntar: «How could this go / so very far / that I need someone to say / what is wrong / not with the world but me?»
11.06.2009
Janela
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