4.22.2008

In memoriam Victor Hugo Pt2 - A Ponte

Ouvir!Dentro da categoria dos documentários, poucos há que consigam ser profundos. Quer dizer, um documentário é uma coisa que por definição serve para documentar a natureza humana.

No entanto, hoje em dia há uma certa tendência para fazer documentários sobre tudo e mais alguma coisa. Por exemplo: aquele vídeo sobre um mês de dieta no MacDonald's. É óbvio que não podemos comparar um filme desses a um documentário como a Captura dos Friedmans.

Felizmente a Ponte é uma dessas películas que logram atingir a categoria de documentário profundo. Aqui, tal como na música do Tiago Maia, o veículo de expressão não é a abstracção em absoluto, muito pelo contrário.

Visivelmente, o realizador está menos interessado em mostrar uma qualquer perspectiva pessoal sobre um problema tão abrangente do que em compreender um fenómeno que já todos sabemos ser extremamente complexo e que jamais alguém poderá reduzir a um punhado de frases ou versos. E aquilo que guia o filme, tirando a fluida progressão temática e outros pormenores da edição, é mesmo a tentativa de descobrir algo mais, por menor que seja, sobre aqueles que decidem desaparecer da face da terra.

A Ponte é, assim, um documentário sobre algumas das 24 pessoas que no ano de 2004 se atiraram da Ponte da Porta Dourada, de São Francisco. A Ponte da Porta Dourada, além de ser mundialmente famosa, tem, convenhamos, um dos mais belos nomes que alguém jamais inventou para uma ponte.

Ficamos a conhecer em detalhe sobretudo as vidas de três, o Gene, a Lisa e o Philip, que nos são apresentados e retratados pela família ou pelos amigos. Transparece desses testemunhos sobretudo uma tentativa de exegese do acto, particularmente explícita no caso do Gene, que já não tinha família.

E é de facto meritória a exposição dessas vidas em filme: essas pessoas não ficaram mais pequenas porque se lhes vê a cara e o corpo cadente durante o (in)evitável mergulho. Passaram, pelo contrário, a fazer parte de um esforço de contextualização bem maior.

Todos os rios correm para o mar, já se sabe, e o mar nunca se enche. Assim ao menos passaram pelos nossos olhos e pela nossa cabeça alguns daqueles que decidiram acabar a sua vida prematuramente. Talvez seja uma forma de nós próprios lhe darmos ainda mais valor.

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Esta é a segunda parte de uma longa série de textos que escreverei em honra da memória do Victor Hugo, que se atirou da Ponte dos Socorridos no Verão de 2006.

REQUIESCAT IN PACE

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