9.27.2009

Boutique de Salada

Querida Regina,

Não é nada disso. Ontem não fui ao Cocota's com a Márcia coisíssima nenhuma, pois que eu havia combinado com a Raquel sem o Rui, porque o Rui é muito chato. Que me importa se a Márcia vai ficar/ Hoje, passeando pela praia, encontrei um pedaço de madeira cheio de pregos. Ocorre que os pregos estavam todos virados para cima, como que esperando uma vítima. Eu ainda pensei que talvez fosse bastante simpático pegar aquela possível armadilha e atirar o mais longe possível do caminho que se faz na praia. E se uma criança desavisada? E se eu mesmo amanhã, desatento? A culpa foi sendo aos poucos descartada, como a madeira, ali provavelmente no mesmo lugar. Portanto a Márcia que se cuide com os seus quarenta e nove anos.

A pesca é a segunda maior fonte de renda em Baía Formosa, com os seus quase 8.000 habitantes. Há pescadores por todo o canto, e o Cocota é um deles. Tem uma casa bem mesmo na beira do mar, onde mora com os filhos. A mulher morreu afogada. Os filhos praticam surf e, eventualmente, ajudam o pai no bar. Quando chegamos, não havia ninguém, porque setembro não é um mês de festa. Retifico, havia sim uma velhinha com cara de protestante, um cocó amarrado, poucos dentes. Surda. A maré enchia, o que tornava tudo ainda mais impossível de se ouvir. Quantos anos ela morava ali? Desde que nasceu. Eu então gritei que ficaria surdo se morasse ali por tanto tempo perto de uma maré tão barulhenta (já lembrando a Jandete, coitada). Ela: o quê? Gritei ainda mais um vez, e ela riu poucos dentes, dizendo não a gente se acostuma. De repente desapareceu lá dentro. Em poucos minutos voltou num vestido verde de cetim, lampeira, amarrando o cocó com ainda mais vigor. Mas Raquel tinha se posto a falar. E queríamos pedir qualquer coisa.

O que tinha o Cocota? Lagosta e camarões. Duas caipirinhas, se faz favor. Raquel me contou tudo sobre aquele dia na praia do assédio e das aulas de italiano: a mão sobre a mesa. Eu escutava distraído. Raquel gosta de falar e eu adoro dar feedback, portanto sempre estamos nessa, juntos, quando ela precisa falar sem o Rui por perto, que o Rui é um chato. Quando a lagosta chegou, já era a Lady Zu: é a vez do samba-soul. Tinha sido, como eu planejara, Violência & Paixão. Agora a Lady Zu. Raquel, uma alcaparra espetada no garfo, perguntava quem teria sido a Lady Zu, mas nem mesmo eu sei dizer. Raquel e esses todos da década de 70. Você vai conhecer.

(Raquel não tinha percebido, mas a velhinha surda voltara para casa, tirara o vestido de cetim, e agora estava de volta à cadeira na solidão da maré que possivelmente a enloquecera).

A noite foi ótima, devo confessar, mas é que já não há/ há muita curiosidade acerca do que seja Pipa, e hoje é para lá que estamos indo. Eu tenho a impressão que não vou achar assim nada de especial, mas já que estamos em Baía Formosa mesmo. O café da manhã deve estar sendo servido dentro em breve. Haverá de ser cuscuz com ovo, como ontem? Eu não me importo nadica de nádares, como diz Lucas, porque ele adora cuscuz com ovo. Depois a gente faz as malas e parte para Pipa. Eu continuo mais tarde e te informo.

Mais tarde. É verdade, estou em Pipa. Sim, a cidade é para festa. O centro tem lojinhas e creperias. Tem restaurante especializado em saladas! Uma boutique de saladas! Muitos turistas, uma mulher descarada que vende sorvete da kibon fora da tabela, pousadas muito mais caras e muito menos simpáticas. Assim por exemplo estamos pagando cinco reais a mais por uma pousada bastante inferior à que estávamos em Baía Formosa. Assim por exemplo essa pousada tem ventilador no teto. Nada de frigorífico, nada. Mas/ havia uma outra na Praia do Amor. Quarenta reais a mais. Não sei. É o jantar é o almoço. Luxo pode não compensar, e afinal só vamos mesmo dormir e a dona nos garantiu que é o melhor café da manhã de Pipa.

Primeiro houve uma discussão na areia, depois o almoço foi peixe inteiro frito. Muito óleo. Cerveja pouco gelada. Muito caro. Em seguida a mudança; tínhamos àquela altura decidido pela pousada de café da manhã first class e ventilador no teto. Agora é hora de ver os golfinhos: a maré estava baixa. Caminha que caminha e nada. Golfinho nenhum. Será que mentem em Pipa? Será que os golfinhos jamais existiram? Tudo bem, a enseada é bonitinha e são apenas quinze minutos de caminhada. Mas eu detesto mentira. Eu nunca minto! Então essa história de café da manhã/ Amanhã eu te conto.

Eu não sei se vale a pena a noite. Não, deve valer. Há muita gente bonita em Pipa, há. E tem as boutiques e os bares. Hoje é provável que queira um sanduíche, o que pensa? Naquele restaurante tão simpático com uma foto da Janis Joplin segurando um cachorrinho. É provável que Verônica/

Beijos.

Praia de Pipa, 13 de Setembro de 2002, 16:58h

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