9.25.2009

História Tupiniquim de Rock Sentimental

Querida Odileiz,

Você já deve ter ouvido falar em Baía Formosa, no Rio Grande do Sul. Pois é exatamente onde estou agora, tipo final da tarde, um vento quase fresco, essa vida quase fácil. A pousada tem o nome/ chama-se Miranda's. Há um gosto geral pelo genitivo aqui em Baía Formosa, embora o Miranda seja velhinho e a mulher já bastante coquete. Não, é preciso que eu fale na irmã/ quero dizer... Hoje, mal chegamos no quarto, número cinco, com uma belíssima visão do mar e tudo (tem uns quinhentos coqueiros)/ A pousada custa alguns cinquenta reais, o que para o padrão europeu/ Só o que me deixa um pouco irritado é saber que servem o café da manhã às oito, quando Lucas está fazendo de um tudo desde a partir das cinco. Pois eu ia dizendo que mal chegamos, e veio essa irmã de D. Lúcia, a mulher do Miranda, perguntar se não queríamos afinal fazer um passeio de buggy. Ela se apresentou sorridente e magra: era Márcia (uma mão no cabelo branco, um pretenso ar de timidez) e ademais - sobretudo - bugueira. Descreveu o passeio, falou de uma lagoa vinho-do-porto, da diversão que podia ser a vida aos quarenta e sete anos. Se não queríamos ir? Verônica é sempre reticente, e estava mesmo a fim de comer peixada no Vandete's.

Vandete é surda, põe sempre a mão em concha ao ouvido para entender se o pirão é com côco ou à brasileira. Eu não percebi muito bem o que é um pirão à brasileira, mas aconselho que quando vier ao Miranda's e resolver comer lá no Vandete's, peça o pirão com côco. Se calhar, é melhor. Mas a cerveja estava boa. E lá em cima (fique lá em cima, pois notei que a Vandete pode eventualmente tocar sintetizadores ao lado da cozinha) tem uma vista bastante simpática da praia.

É quase crepúsculo, mas não quero ir ao centro (sim, há um centro) para comprar umas bolachas, ou o que quer que seja necessário para entreter o Lucas até a hora oficial do café da manhã. O que você aconselha que eu faça hoje à noite? Tem umas mesinhas muito simpáticas aqui, ao lado de nosso quarto, feitas em madeira tosca, por sobre uma tenda de palha de côco. Será que o Miranda sabe preparar uma boa caipirinha? Eu, no momento, estou curtindo o CD de Barão Vermelho, aquele de 1983! Podemos trazer o carro para onde estão as mesinhas toscas e a festa está feita: vem comigo, no caminho eu te explico... Vem comigo, VEM! Eu já te contei que fui apaixonado pelo Cazuza? Fui, sim. Mas nada de tietage; eu o conheci pessoalmente. Eu já te contei a história toda dos passeios com o Cazuza na época do Barão Vermelho (ou um pouco depois disso)? Eram tão divertidos... Hoje tenho cada um dos vários discos de Cazuza autografados (ele sempre me enviava os discos antes mesmo de chegarem às lojas), embora somente recentemente tenha começado a comprá-los em CD. Já não tenho como tocá-los em acetato... Cláudia, a minha prima mais achegada, insistiu que eu fizesse uma série de exames que ela julgava/ Cláudia sempre foi muito paranóica, Cláudia... Eu preciso telefonar... Eu preciso encontrar Cláudia durante as minhas férias aqui no Brasil. Ela vai estar ainda com a mesma namorada, aquela que encontrei na festa que a professora de Rejane organizou? Quando chegar, no sábado, eu telefono para Cláudia. Iuska há de saber o número.

Mas o dia escurece muito rápido aqui em Baía Formosa. Daqui a pouco só vou poder mesmo escutar o mar para ter a certeza de que ele de fato existe. Será que a D. Lúcia sabe fazer uma boa caipirinha? Verônica vai perguntar. Verônica anda tão apaixonada, e isso é tão bom, porque acho que nunca fui apaixonado por ninguém assim como sou por Verônica, depois de quase dez anos. Não vá perguntar, a Fellipa é outra história. Eu acredito em paixões diferentes, acredito. Como essa, por exemplo, renovada pelo Cazuza: apronto desapronto e não passo recibo choro ressucito dou risada e vomito! Quem há de negar, a despeito de toda a teoria e do descaso do clã dos tiagos que Cazuza foi mesmo um marco em nossa história tupiniquim de rock sentimental?

Depois, Odileiz, eu te conto da caipirinha.

Beijos.

Baía Formosa, 11 de Setembro de 2002, 18:11h

Sem comentários: