9.24.2009

O Segundo Disco

Nelson Querido,

Há uma coisa que eu não entendo muito bem: é essa de as pessoas não fazerem muita questão de responder uma mensagem, de falar, de manter o contato. Ora, então, não é verdade que em princípio é o que queremos, essa relação esporádica social, ainda que assim? Toda essa introdução é para tentar entender a razão pela qual os possíveis amigos mais velhos de Lucas escolhem não responder os cumprimentos que ele sempre insiste. Será porque são mais velhos? Ou simplesmente porque desde cedo aprendem a desprezar? Será natural assim o desprezo? Por exemplo, o fato de eu não poder ter ido no sábado passado para aquela boite que em princípio iríamos já é motivo o suficiente para que agora seja eu a programar qualquer coisa? Está bem, esse já é um outro assunto.

Quando estive em Aix-en-Provence/ Quero dizer, por que a Annelise escolheu não escrever mais uma linha sequer? É isso que vou procurar entender aqui nessa mensagem. Veja se me acompanha. Como a Annelise, na conferência sobre prosódia. É preciso que eu a introduza, Annelise, amiga da Regina, a Regininha que já conheço há tanto tempo. Era a primeira vez que eu encontrava a Regininha, mas também seria, por conseguinte, a primeira vez que eu encontrava a Annelise. Ela riu um sorriso solar, de um dia de domingo em Helsink, algo assim. A Annelise sentou do meu lado, ouvindo - ou fingindo ouvir - a apresentação daquele holandês. Ela anotava qualquer coisa num bloquinho azul, e uma ou outra vez batia com o ombro no meu braço. Palmas, e aquela multidão saindo do auditório para o almoço. Regina foi quem acabou revelando que a idéia tinha sido mesmo da Annelise, a idéia de irmos a um restaurante grego. Caminhávamos, e a Annelise me acompanhava. Veja se me acompanha agora. Regina falava em francês comigo, em português com a Annelise, mas eu sempre falei em inglês com a Annelise durante todo o tempo que eu a conheci. Será que ela deixou de me escrever justamente porque redigi uma mensagem em francês, a língua nativa dela?

Está bem, o fato é que aquele quarto de hotel, com cama de casal, era muito muito grande, e a Annelise era muito muito branca. Mas tinha sido a forma como ela sacudia as mãos com desinteresse o que me fez introduzir aquela discussão de gêneros, aquela velha conversa da obviedade que é a fidelidade. Ela ria, dizia prezar por isso, mas ao mesmo tempo sacudia as mãos, o que me deixava mais e mais curioso: como seria um quarto de hotel tão grande como aquele com a Annelise? Nunca soube a resposta, porque, apesar dos gritos que trocou com o namorado naquela manhã do meu penúltimo dia em Aix, ela nunca desceu do carro, ou subiu as escadas do hotel.

Mas houve pelo menos duas ocasiões de que me recordo com grande prazer. Uma foi a que já contei, o passeio ao restaurante grego. A outra foi a festa da caipirinha, na casa dos amigos da Annelise. Uma festa em que tudo aconteceu, mesmo tudo. Dessa festa, o que resta é a vaga lembrança de inveja e horror na cara daquela professora tão simpática, mas tão mais velha que todos nós. Embora isso não queira necessariamente significar absolutamente nada. A outra ocasião é o famoso jantar de despedida que fizemos num restaurante bem próximo do hotel em que eu estava, aquele hotel.

Nunca fui muito bom em ser guia de cadeiras de roda, acho que nunca tive muita habilidade com deficientes de nenhuma sorte. Aquela professora de Aix-en-Provence parecia ser simpática. Ela ria da cadeira de rodas um riso de quem podia andar. Mas tenho de confessar que estava achando a tarefa um tanto quanto pesada, e sorria um riso de quem não pode. Custa-me às vezes ser cavalheiro (Henriquieta tem um nome para quem abre a porta do carro). Regina sempre falando todo o tempo um francês de quem acabou de pegar um ita no norte. Tudo bem, em pouco tempo estaríamos sentados, e eu pedi um gim, puro, está claro. Annelise e as outras três pediram um vinho rosé. Havia, na mesa, um clima daqueles em que todos sabem perfeitamente o que se passa.

Estou tão feliz de ter podido hoje comprar o segundo disco do Barão Vermelho!

Um beijo.

Recife, 10 de Setembro de 2002, 20:17h

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