8.04.2009

Descendo

A Madeira, bem como outras ilhas que jamais chegaram a ser descobertas (a Antília, por exemplo, ou a Ilha das Sete Cidades, ou as Satanazes, ou ainda as Cassitérides), já estava representada em mapas do século XIV, a exemplo o de Dulcert. É curioso ainda observar que já em 1370, ou seja, quase cinquenta anos antes de Zarco e Tristão terem desembarcado por acidente em Porto Santo, a ilha da Madeira aparece no Atlas Medici com o nome de "Legname" (que, em italiano, quer dizer "madeira"). Pouco depois, em 1375, o Arquipélago completo é representado no Planisfério de Cresques. Ou seja, muito antes de já sonharem ter descoberto o Brasil, os portugueses aparentemente jamais teriam descoberto a Madeira.

O dia estava absolutamente convidativo. Ao contrário do céu de Lisboa, há quase sempre nuvens por sobre o Funchal. Isso, todavia, não amedronta ou causa suspeitas: vai ser um dia ensolarado. Saímos de casa por volta das dez e meia, descendo sempre. As ruas são bastante íngremes, e em pouco tempo descer pode ser uma das atividades mais cansativas de que se tem notícia. Angelus ia à frente, sempre bastante calado. Levava uma bolsa com a máquina fotográfica e dois ou três livros suspeitíssimos. E há também o protetor solar, sem o qual não estava autorizado a sair no verão. Muito a propósito, precisava parar ali naquele miradouro para poder reforçar a dose. O sol estava mesmo muito quente.

Há quem prefira ser frontal, mesmo que isso implique desastres inevitáveis. Não tem aquela música do Gonzaga Jr., uma que diz ser a verdade boa como um sol desvirginando a madrugada? Há quem prefira escolher um miradouro e dizer, enfim, a verdade. Enquanto Angelus estava esquecido na monotonia de proteger-se contra o sol, eu lia os rabiscos tão bonitos que a Sofia, da Sétima-B, havia escrito para o seu professor Almiro. Almiro, o professor de matemática, muito comovido com o fato de ter uma aluna apaixonada assim por ele, mas responsável o suficiente para levar o filho asmático ao hospital pelo menos duas ou três vezes por mês, jamais teria lido os rabiscos. E a Sofia acabou casando com o J. Pinto Fernandes, que agora está na história.

A nossa primeira visita eminentemente turística seria ao Forte de São Tiago. Antes, porém, quero tirar uma foto daquele homem ali olhando o mar, perto do Complexo da Barreirinha. É preciso, nesse relato, em algum ponto dele, discutir o uso apropriado da imagem, mas para isso, precisava também discutir o uso das palavras, e, sobretudo, o ato de tornar públicas experiências que podem ser consideradas exclusivamente privadas. Mas levando-se em conta que a ética tem sido reinventada, e que nao tenho o mínimo entusiasmo para me deter em questões secundárias que tais, fui em frente e tirei a foto. Talvez tenha sido a última foto daquele homem. Não tenho dúvidas: ele se suicidaria naquele mesmo dia.

O Forte de São Tiago é uma construção militar do início do Século XVII que hoje abriga o Museu de Arte Contemporânea da cidade. O que quer que isso venha a significar, a visita é muita mais válida pela construção em si do que necessariamente pelas obras ali expostas. Na verdade, há sim alguma coisa de interesse, mas está tudo tão desajeitadamente disposto que torna-se uma tarefa quase desencorajante procurar apreciar o que seja. Angelus consegue fazer com que um grupo de vassouras dispostas em um ângulo côncavo, sob determinada perspectiva, ganhe uma dimensão absolutamente genial. Eu pensei que talvez tivesse gostado mais quando da ocasião em que o forte abrigou uma exposição de ferramentas usadas em torturas.

Daí, seguimos deambulando, parando em algumas lojas, entrando num e noutro ponto, enfim, essas coisas. A visita à Feira Popular foi interessante. O peixe-espada preto, para quem nunca viu, pode parecer assustador. As frutas, entre elas a fruta-deliciosa e a anona, soam quase tentadoras. Mas nos apetecia mesmo beber algo. E paramos na Praça do Anfiteatro para tomar um refrigerante. Foi aí que conheci o Brisa Maracujá, que merece um capítulo nesse relato. Sobre o Brisa Maracujá, não há muito que ser dito, há mais que ser tomado. É para mim o melhor refrigerante do mundo, desse. O fato de ser unicamente comercializado na Madeira torna a ilha ainda mais especial para mim. Um dia quero morar na Madeira, e talvez verifique com maior segurança o que eu desde o início suspeitei: São Brandão estava absolutamente correto em descrever aquela região como o possível paraíso terrestre.

O passeio teve de ser concluído subitamente logo após à visita ao curioso Museu da Fotografia, com um telefonema urgente de Pedro. Precisávamos voltar para casa naquele exato instante.

Há evidências bastante significativas de que Atlântida estava localizada exatamente entre os arquipélagos da Madeira e dos Açores.

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