8.08.2009

A Igreja de São Jorge

Quando acordei, metade do domingo já se tinha ido, e isso definitivamente me aborreceu. Ouvi um ruído distante de vozes, como numa festa que se organiza. No terraço, estavam todos reunidos, com música, mesa posta, alguma bebida e os pedaços de carne dispostos num prato para a célebre espetada madeirense. O que torna a espetada madeirense peculiar é mesmo o espeto: um pau de louro, devidamente cortado, que serve para perfumar e dar gosto à carne. Temperada unicamente com sal grosso, a carne é grelhada em fogueira sobre um toro grande em brasa. Tradicionalmente, a espetada é para ser comida em pé, ao redor da fogueira, sem garfo nem faca. Acompanha o não menos conhecido bolo de caco, também chamado em algumas zonas da ilha bolo de pedra: um tipo de pão bastante simples cozido em chapa de pedra escaldante. Pedro foi chamado para preparar a espetada, por sua fama de sempre saber o ponto certo em que a carne deve ser retirada da fogueira. Tio Genaro parecia muito contente. Tia Valentina corria de um canto a outro, o avental sempre entre as mãos: por que não comíamos nada? Que não olhassem o Sebastião, que ele tinha lá umas manias. Que comessem, por favor.

Depois do almoço, organizaram-se para um passeio. Como eu estivesse bastante cansado, decidi ficar. Todos acharam estranho que eu, o turista, não quisesse ir ver as redondezas, mas não procurei dar mais justificativas. Na verdade, o que queria mesmo era ir à igreja, desacompanhado. Pouco depois de terem saído, um tanto desconfiados, um quanto ressabiados, fui ao jardim, descansar mais um pouco. Quando resolvi dirigir-me, afinal, à igreja, já passava das cinco da tarde. Ainda assim, é possível ver o Porto Santo, lá adiante.

A Igreja de São Jorge é considerada um dos mais belos templos da Madeira. Situa-se no sítio da Achada Grande e é considerada o melhor exemplo de arquitectura barroca do espaço rural madeirense, patente no estilo rococó dos armários e do mesão. No seu interior sobressai um crucifixo pendurado no pescoço do corpo de Cristo que, com um metro de altura, é considerado uma das mais belas esculturas em madeira da Ilha. Entretanto, não foi por aquela razão estética que eu passei o resto da tarde sentado num daqueles bancos pesados, escutando, lá dentro, em algum lugar esconso da igreja, o ensaio de beatas, um ensaio desafinado, difícil de ir adiante.

Em tempos que já lá vão, um rapaz muito muito jovem, ao entrar na Igreja de São Jorge, cruzou o seu olhar com os olhos de uma jovem muito muito bonita, por quem ficou imediatamente apaixonado. Na semana seguinte, os olhares voltaram a se encontrar na missa dominical. Desta vez o rapaz evidenciou que desejava a jovem rapariga. Como é uma verdade universalmente aceita que um rapariga solteira sem dotes de nenhuma espécie deve estar precisando de um marido, a jovem beata anuiu aos sentimentos do rapaz. Depois do consentimento dos respectivos familiares, ambos passaram a se encontrar com regularidade. Como estivesse profundamente apaixonado, o jovem procurava aproveitar todo o tempo disponível para estar ao lado de sua escolhida, que, por falta de opção, não se incomodava de lhe fazer companhia. Ocorre que, com o passar dos dias, a mãe do rapaz foi-se eximindo de alimentar o filho, porque julgava que este era bem servido em casa da sua amada. Com pensamento similar, a mãe da noiva também não reservava qualquer tipo de refeição para o infeliz que, de dia para dia, ia definhando. Progressivamente o seu desfalecimento aumentava sem ninguém perceber qual a verdadeira razão. Dizem que a cada primavera nasce, em sua campa, uma única camélia.

Antes de voltarmos para o Funchal, ainda passamos muito rapidamente pelo Miradouro do Pico, pelos Miradouro e Achada da Vigia, pelo Miradouro da Boca das Voltas e pelo Miradouro das Cabanas. Já por aquela altura, eu estava mesmo cansado. Todas as coisas estão cheias de cansaço; ninguém o pode exprimir: os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir. O que tem sido, isso é o que há de ser; e o que se tem feito, isso se tornará a fazer. No Funchal, recusei o convite de ir ao Monge. Fui para a cama por volta das dez e meia.

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