8.11.2009

Machico

Na época em que D. Afonso Henriques andava a conquistar as terras portuguesas aos mouros, havia um nobre chamado D. João Froiaz, que vivia no Minho, num belo castelo ao pé do mar. Certa manhã partiu com os seus homens para a caça, como habitualmente fazia. Dirigiu-se para a foz de um ribeiro, na esperança de aí encontrar algum veado a matar a sede. Mas o que viu deixou-o espantado: no ponto onde as águas do mar e do rio se encontravam estava uma linda sereia, de cabelos soltos e mal coberta por um vestido de algas. Dormia tranquilamente, gozando o sossego da manhã, com a cabeça apoiada nas plantas da margem.

D. Froiaz estava decidido a apanhá-la e por isso mandou os seus homens pararem. Com pezinhos de lã dirigiu-se para a mulher, mas ela deu pela sua presença e desatou a correr para o mar. Não chegou a tempo, pois o cavaleiro agarrou-a antes. Ela esbracejava e debatia-se, mas nem uma palavra dizia. O fidalgo levou-a para o seu castelo, apaixonou-se por ela, baptizou-a com o nome de Marinha e desposou-a. Com medo que ela fugisse para o mar, levou-a para outro castelo nas montanhas, onde tiveram vários filhos.

D. Marinha, apesar da evidente afeição que tinha pelas crianças, andava sempre a suspirar com as saudades do mar. Embora o seu marido a tratasse com muito carinho e a rodeasse com delicadezas e cuidados, ela continuava a não falar. O silêncio da mulher enchia D. Froiaz de desgosto. Um dia, então, armou uma grande fogueira, pegou no filho mais novo e fingiu que o arremessava para o lume. A mãe, numa grande angústia, gritou, tentando impedir o marido: «Ai, o meu filho!». D. Froiaz, eufórico, entregou-lhe a criança e disse que tudo tinha sido um estratagema para que ela falasse. Depois disto D. Marinha ficou totalmente humana, e por isso puderam voltar para o castelo à beira-mar. Aí os filhos, os Marinhos, ocupavam grande parte do seu tempo na praia a explorar grutas e reentrâncias da costa ou a nadar pelo mar dentro.

Uma vez D. Froiaz deixou escapar por distracção o filho mais novo, que trepou a uma rocha e foi levado por uma onda, que o arrastou para longe da praia. Louco de aflição, o pai já se preparava para se atirar à água, embora não soubesse nadar, quando uma coisa extraordinária aconteceu: o mar acalmou de súbito e uma onda enorme, como uma grande mão, veio depor a criança suavemente sobre a areia.

Quanto mais cresciam mais se notava que os filhos de D. Froiaz e D. Marinha eram netos do Mar: escutavam as histórias do oceano nos grandes búzios que apanhavam na praia, ouviam e falavam com as ondas, conheciam os segredos do mar como ninguém. E, quando cresceram, ganharam fama de serem os melhores mareantes do seu tempo.

O mais novo dos Marinhos, Machico, ouvira falar das ilhas encantadas e de que numa delas encontrara São Brandão o paraíso. Aprestou uma barca de mantimentos e aparelhos e partiu com alguns companheiros. Quatro ou cinco dias depois de seguir pela rota que lhe haviam ensinado viu no horizonte nuvens que pousavam sobre o mar, sinal de terra próxima. Quanto mais se aproximavam, mais a névoa se adensava e ouviam-se estrondos enormes. Os marinheiros, cheios de medo, pensaram que ali era a entrada para o Inferno e pediram a Machico que voltasse para trás.

Mas de súbito, o nevoeiro descerrou-se e viu-se um espectáculo belíssimo: as rochas erguiam-se a pique sobre o mar; bosques de grandes e belas árvores desciam até à água; mais adiante estendiam-se montes que pareciam não acabar e um suave perfume espalhava-se no ar. Machico, perante o esplendor da ilha, convenceu-se que tinha chegado ao paraíso de São Brandão e, como a terra era toda coberta de florestas, chamou-lhe a Ilha da Madeira.

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