8.10.2009

O Pico Ruivo

Quando chegamos ao Pico Ruivo, as nuvens estavam, afinal, abaixo de nós. Durante todo o percurso, feito a partir da Achada do Teixeira, estávamos entretanto no meio do nevoeiro. Era no mínimo invulgar ver aquele mar nebuloso sob as nossas mãos. Não tinha sido difícil o trajeto até ali, de sorte que estávamos mesmo ansiosos para partir em direção ao Pico do Areeiro, a nossa meta. Em geral, o percurso é feito a partir do Pico do Areeiro, o segundo mais alto da ilha, até o Pico Ruivo, mas resolvemos fazer o caminho contrário, que, de acordo Angelus, é mais fácil.

Começamos por uma vereda sempre a descer, permeada por uma álea de urzes molares. As urzes, que podem atingir até três metros de altura depois de várias centenas de anos, engalfinham-se umas às outras, criando um cenário ao mesmo tempo poético e intimidante. Em pouco tempo, estaríamos novamente entrando no nevoeiro. A trilha também começaria a ficar mais difícil e arriscada. Havia precipícios por todo o lado. A certa altura, perguntei se passaríamos mesmo por aquele caminho estreito e absolutamente sem proteção logo ali adiante. Angelus olhou para mim com uma expressão quase sombria, quase trocista, à guisa de resposta.

À medida que descíamos, o cenário tornava-se mais e mais lôbrego. O sol estava sempre escondido por trás do nevoeiro. A vegetação mudava significativamente. É na Madeira onde se encontra a maior área de Laurissilva do mundo, com cerca de 15.000 hectares, considerada como Patrimônio Mundial da UNESCO. Entre as variadas espécies exóticas da flora local, uma das mais bonitas talvez seja mesmo a Echium candicans, vulgarmente conhecida como massaroco. As flores lilases dessa planta, que só aparecem no fim da primavera e princípio do verão, são de uma beleza nada trivial. Estávamos já na metade do caminho quando resolvemos comer qualquer coisa. Eram os sanduíches que a Tia Valentina tinha preparado tão gentilmente.

É preciso nesse ponto do relato dizer que Tia Valentina conhecera o Genaro quando em viagem a São Miguel. Ela, que na época morava em Barcelona e trabalhava numa loja de velas decorativas, ficou imediatamente apaixonada pela conversa despropositada, casual e, no entanto, arrebatadora do ítalo-chino-macaense, e assim não houve como escapar: o casamento se deu em menos de cinco meses. Entrementes, Tio Genaro abandonou o doutoramento em Engenharia Florestal, vendeu tudo o que tinha nos Açores e aceitou a proposta de Tia Valentina, que era morar na antiga casa dos pais dela, em São Jorge. Isso tudo quer significar que são, para mim, um dos casais mais felizes que jamais encontrei. Portanto tiveram o maior prazer em nos acolher novamente por mais uma noite, e ficaram ainda mais contentes em poder nos levar até a Achada do Teixeira, o nosso ponto de partida.

Explicados os sanduíches, voltemos agora à escarpada onde havíamos parado para almoçar. «Hoje à noite vamos ao aeroporto buscar a minha Tia Eva e a Sara.» Então eu ia, afinal, conhecê-las. «E depois podíamos fazer qualquer coisa. O que pensa?» Eu achava tudo ótimo. «A Felippa telefonou.» Talvez devêssemos retomar a caminhada? «Quer saber se gostaríamos de ir vê-la cantar amanhã à noite.» Eu achava tudo ótimo, mas talvez devêssemos retomar a caminhada. A bruma estava adiante, esperando o desafio.

Quando chegamos ao pico do Gato, com os seus 1780 metros de altitude, eu já estava cansado, e pedi que parássemos um pouco. Não faltava muito para alcançarmos o Areeiro, onde Pedro nos estaria esperando. Conversamos bastante durante todo o trajeto, e Angelus, muito experiente nesses percursos, teve paciência de me esperar, cuidado para indicar onde eu devia pisar, apreensão com a minha evidente vertigem. Acho que se não tivéssemos tido aquele debate linguístico no restaurante, pouco depois, no Pico do Areeiro, enquanto aguardávamos Pedro, o dia teria tido um remate muito mais simpático. O fato é que Angelus resolveu que não esperaria mais, e saiu andando pela estrada, descendo o Pico como quem quer fugir de uma discussão sem propósito. Obviamente não poderíamos ir muito mais adiante, porque o nevoeiro avançava à medida que descíamos, e isso incorria no perigo de sermos atropelados. Portanto paramos ao pé da estrada até que o Pedro aparecesse.

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