8.18.2009

O Paul da Serra

O almoço tinha sido gaiado seco, que Pedro faz muito bem, pão de pedra e batatas cozidas à moda da Madeira. A salada sabia ao frescor da horta que víamos através da janela. Tia Eva parecia cheia de disposição para ir à Lagoa do Vento: seria a sua primeira vez, apesar de ter quase sempre vivido na ilha. Eu segurava a batata na mão com o pânico de quem come umbu-cajá sem saber exatamente como e acompanhava os comentários ora de Tia Eva ora de Pedro acerca da culinária madeirense. Sara comia uma porção mínima de salada, quase como um pintassilgo. Angelus pegava mais gaiado e parecia desinteressado no que quer que Pedro tinha a dizer acerca das tradições de cada povo da ilha no que respeita à alimentação.

Apesar da inisistência, Paula e Felippa não quiseram almoçar conosco, e ficaram nos esperando do lado de fora da casa. Partimos por volta das três da tarde; o dia estava ensolarado e bom. Íamos no jipe de Pedro: Felippa, Paula, eu e Angelus atrás; Tia Eva e Sara à frente. Paula sentou-se ao meu lado e conversava todo o tempo, muito lampeira. Felippa olhava qualquer coisa na máquina fotográfica que trouxera. Enquanto fingia ouvir o que Paula tinha a dizer, eu observava os movimentos redondos e inexperientes de Felippa com a sua máquina fotográfica.

A temperatura ficava cada vez mais fria à medida que subíamos a serra que ia dar ao Paul. Valentina, Genaro e Sebastião nos esperavam num restaurante temático, lá em cima, com cobras, elefantes e papagaios de espuma e plástico por todo o lado. O lugar estava vazio, a não ser pelos três, que tomavam refrigerante de tomate com alguma melancolia. Tia Valentina abriu um sorriso largo quando nos viu chegar, e se aproximou já cheia de queixas: por que havíamos demorado tanto? Tia Eva pediu uma garrafa de Brisa Maracujá e, depois, seguimos para o ponto de partida da caminhada que nos leva até a Lagoa do Vento.

Paula continuava falando e Felippa estava mais e mais concentrada no que quer que fosse. Angelus procurava participar da conversa, mas desistiu quando o óbvio não pôde sê-lo ainda mais: Paula estava muito pouco interessada em ouvir o que já sabia acerca do posicionamento de tudo o que Angelus tivesse a dizer sobre o que ela falava, embora eu já não recorde exatamente o quê. «Podíamos ir hoje à noite à Câmara de Lobos, Angelus, para o Miguel conhecer a poncha de absinto.» Foi tudo acertado. Paula prometia uma expiriência única, a poncha de absinto.

Quando chegamos à lagoa, já tínhamos caminhado por cerca de uma hora. Sebastião parecia indisposto e sequer tirou a roupa. Deitou-se numa pedra e lá ficou até decidirmos voltar. Paula foi a primeira a despir-se. Queria tomar banho: soltava os cabelos, tirava cada peça de roupa, ria e não parava de falar. Insistiu que Felippa também tinha de entrar com ela na água, que não ia só. Depois de alguns gritinhos e uns passos muito cautelosos, as duas nadavam no meio da lagoa gelada. Angelus entrou cheio de coragem.

Como estivesse ficando tarde, não demoramos muito. Subir de volta ao ponto de origem demorou cerca de meia hora além dos esperados sessenta minutos. Dessa vez caminhamos em silêncio. Já no carro, Paulinha voltou a falar. Angelus escolheu sentar-se ao meu lado. O frio era quase insuportável porque, ao contrário das paulas e felippas, trazíamos apenas camisas de algodão. Para além do frio, o jipe andava aos solavancos, Felippa continuava séria (mas absolutamente confortável em sua discrição) e Paula falava sobre como tinha sido bom o passeio. Pedimos que Pedro parasse um pouco o carro (ainda estávamos no planalto) porque Angelus estava evidentemente mal. «É só um enjôo rápido, é a estrada,» dizia, balançando a mão, como se fosse um nada. O céu ali no deserto do Paul era de um azul desmaiado.

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