9.02.2009

Calaf

Olá Alexander!

Ontem estive falando com a minha grande amiga Telma (Telma?! Perguntou o Tiago outro dia, como se o nome fosse talvez ainda mais fantástico que Macabéia), a Telma da Faculdade, aquela que organizava reuniões no final da tarde para estudar latim e literatura portuguesa medieval, e ela, com toda a razão, queixou-se de que eu nunca a escrevia: oi Telma, adeus Telma, e que as mensagens impessoais não lhe diziam absolutamente nada. Ela até nem sabe se eram mesmo minhas! Então é assim, eu acho que a Telma está certa. Portanto hoje, Alexander, meu amigo, é para você que escrevo, com todo o carinho.

Como tem passado, Alexander? Como está a vida aí em Seattle? Ainda trabalha para a mesma companhia de laticínios Holly Cow? I holly hope so, afinal o dinheiro era bom... E a Elisabete? E o Fritz? Dê-me notícias deles. A Elisabete continua amarga? O Fritz continua lindo? Seattle continua Seattle? Essas coisas não mudam? E o big one não vem?

Ontem não cheguei a te dizer que/ Mas espere, já há mais de um ano que eu não te escrevo, Alexander! Então tá, então a Telma está corretíssima. Mas só não tem o poder de me comover. A Telma nunca me comoveu. E outro dia ainda teve a coragem de me perguntar se eu fui apaixonado por ela. Eu? Apaixonado pela Telma? Eu disse que sim, perdidamente. Mas ela sabe a verdade, e foi a verdade que, enfim, fez com que ela/ A Telma ligou-me ontem e nem sequer tinha a idéia que aqui em Lisboa era quase uma da madrugada. Uma! Eu estava lendo o Livro do Desassossego, sobre o qual quero falar ainda aqui, hoje, tudo bem, mas achei divertido saber que o dálmata/ Não, essa história do dálmata é bastante triste, eu não vou repetí-la aqui. As pessoas têm atitudes disparatadas...

Hoje, eu devo ter dito, não vi o sol, mas a lua é quarto-minguante. Tive de me ausentar por algumas horas do trabalho, fui buscar as passagens para a minha viagem ao Brasil, e fiz questão de lembrar ao agente de que, por favor, comida vegetariana. Ele, cabelos escovados, muito gel, barba bem-feita, perfume da Hermès, camisa cinza bem passada, sorriu e disse que não havia problemas. Na estação de metrô da cidade universitária é o Sócrates que anuncia ser o cidadão do mundo, mas eu prefiro a epígrafe do Cesário.

Depois, no metrô, veio aquele deficiente mental com a sanfona triste, lá ao longe. Acho que uma das minhas grandes frustrações é mesmo não ter tido a chance de aprender a tocar violoncelo. Acho que tudo o que eu penso dizer, essa carta inteira, podia caber numa nota saída de um violoncelo.

Mas por falar em música, agora escuto Turandod, a ópera de Puccini. É tão linda a história de Calaf, tão apaixonado pela fria e misteriosíssima Turandot, cheia de desafios e perguntas e traumas... Mas Calaf dá-lhe todas as respostas de que ela precisa, três ao todo, e pronto. No entanto Turando recusa-se: não quer casar com Calaf. Nem morta! Então Calaf, já para entrar no jogo, propõe: se ela adivinhar o nome dele até a manhã, tem de casar. Se não adivinhar, morre. Acho a opção meio estúpida, mas Turandot aceitou. Ocorre que no meio dessa treta toda, tinha Ping, Pang e Pong, que entraram na história não sei bem porque, e tinha a coitadinha da Li, que era a única a saber o nome de Calaf, e, por amá-lo tão profundamente, prefere a morte a ter de revelá-lo. E, claro, morre a otária da Li, somente para que a união de Calaf e Turandot aconteça. Ela, toda espalhafatosa, anuncia para os súditos de manhã que descobrira, afinal, o nome de seu pretendente, e que o nome dele era Amor. Não é lindo? Só tenho pena da Li. Por mim, Calaf fugia com ela.

Não é que eu tenha pena das pessoas, mas o Martin Paar é de fato um grande fotógrafo. Hoje comprei a coleção que a Phaidon publicou recentemente. Também comprei o presente de aniversário da Maria Helena. Hair em DVD. Vai ter festa na casa dela, no sábado. E acho que Hair tem tudo a ver com a Maria Helena. Depois voltei ao ILTEC, e só tive, digamos, uma ligeira discussão com a Núbia lá, a secretária-directora-financeira, por causa de dinheiro. Detesto discutir esse assunto, fico vermelho de pudor. Mas, enfim, chegamos a um acordo, aparentemente. Eu procuro pensar que as pessoas são todas boas, embora a Núbia tenha dito hoje misteriosamente que as aparências enganam. O que ela quis dizer com isso? Mas também quero pensar isso como quem pensa em Deus. Se me aproximo muito, acabo por desconfiar de que talvez eu seja ateu. Não quero sê-lo. As pessoas merecem ser amadas.

Beijinhos.

Lisboa, 15 de agosto de 2002, 00:15h

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