9.30.2009

É Assim

Querida Telma Manor,

Nada de dentista, nada de nada. Hoje foi um dia completamente/ desses que a gente chega ao final e acaba se perguntando se vale mesmo a pena viver em Recife. Quero dizer, basta ir ao Hiper Bompreço da Caxangá. Detesto esperar, detesto filas, odeio, abomino, desprezo, tenho nojo, pavor, síndrome de gente mal-educada e feia. Não é de estética que estou falando; não é isso. É uma fealdade mais profunda, maior. Que cheira mal. Dá para perceber? Isso sem falar nas farmácias; por que há tantas delas? Nos hospitais. Nas filas de supermercado e banco. Isso não existe em lugar nenhum; é quase uma indústria. Telma, olhe a cara das pessoas na fila de um supermercado, às cinco da tarde de uma terça-feira! Tenha saudade de tudo isso quando estiver em Denver, olhando uma revista de fotografia estilizada sobre os parques de diversão no nordeste do Brasil. Viver é mais perigoso; alguém disse isso?

Tudo bem, amanhã tem a Marieza, tão simpática, sempre oferecendo o pacote mais caro. Mas a Telma sabe exatamente o que quer. Marieza detesta que não perguntem de que é feito aquele bolinho, que não caiam nas graças dela de vender o pacote mais caro. Eu também sou bastante frio nessas horas, mas costumo ser ludibriado. Ou, quando quero, manipulo o jogo ao meu favor. Mas, Telma, por favor, amanhã conte-me tudo, está bem? Prometa. Enquanto isso, hoje à noite; Lourenço vem me buscar. Não.

Lucas está doente. Coisa nenhuma. Tive de ir ao hospital hoje na hora do almoço e ouvir o que eu já sabia; Lucas não está doente. Há dezenas de crianças assim com diarréia. A médica me chama de pai e ri como quem quer passar segurança, como quem quer me acalmar. Eu lá estou nervoso?! Volta que volta; o trânsito nessa cidade é caótico. Erro o caminho. Vou ao correio. Pronto, os últimos cartões postais jurando alegria em terras tropicais. Hoje choveu o dia inteiro. Não teve/ O que é que podíamos fazer senão ir almoçar na casa de mamãe?

Ontem? Ela perguntou, e eu não recordava o que tinha feito ontem. Não sei. O que fiz ontem, senão ter ido ao dermatologista que sempre quer saber como é o sistema de saúde na Europa? Não me importo! Eu nunca preciso ir a médicos; eu nunca adoeço; tenho uma saúde! Mas, está bem, faço os tais hemogramas; eu não me importo. E vejo se conserto esse buraco no dente, o último dente da arcada superior direita, caso me encontrem desfigurado. Ontem? Eu tentei ver Oh Brother Where Art Thou? Mas não gostei, e o filme ficou inacabado. Preferia ter lido o Diário de um Sedutor?

Mas se quer saber a verdade, estou bem. Ah, isso estou. Começo a perceber o que não me faz falta. É triste, é é. Mas olha, é assim.

Beijinhos.

Camaragibe, 17 de Setembro de 2002, 18:01h

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