9.20.2009

Esal Alc In Chel Che 'O Disin

Querido Marcos,

Ghé quèl in quél c'a dgén? Hoje cheguei uma outra vez no Recife e achei tudo muito deprimente. Não tudo, quero dizer o aeroporto. Quando fui a Berlin, o lugar me pareceu estar em reforma. Como se estivesse nascendo de escombros, como Lisboa depois do Marquês de Pombal. A ka ndonjë gjë në atë që themi? Mas há de haver uma razão para aquele chão sem tapete, há; aquela parede de compensado branco, aquele ar de juizado de pequenas causas em camaragibe. Ba ote dago ezer gure esanetan? Há de haver.

Ghè argot en chel che disom? Eu não sei, Marcos, não me pergunte. Você já deve ter tido razão com aquele poema e o carro amarelo num sábado à tarde e uma peça infantil no sindicato dos bancários. Hag un dra bennak zo er pezh a lavaromp? Deve ter, não escrevemos poemas em vão. Mas nem sempre o que queremos ali é o que de fato/ Er der noget i det vi siger? Dez anos. Quanto tempo e depois pensar no que poderia ter valido a pena? Eu teria? Por que então/ A nobreza da recusa ou a experiência? Is er iets in wat we zeggen?

Não é tristeza, é impaciência mesmo. Você nunca/ Eu sei muito bem o que houve, como sei agora o que deve estar se passando. Tudo é mesmo muito cíclico, e eu tinha de esperar dez anos, como/ Kas on midagi selles, mida me ütleme? Hoje, depois de muitos anos, o poema está queimado, como as minhas cartas sempre paravam no lixo, e hão de ser sempre. Se talvez eu soubesse que as minhas cartas eram guardadas, que o que quer que eu quisesse dizer podia ter uma mensagem para além da mediocridade... Não tinham, e todas elas acabavam no lixo.

Eu, pelo contrário/ Onko mitään siinä mitä sanomme? Eu guardo/ Eu tenho esperança. Não devia ter? Quando chorei com o filme polonês, eu ainda/ Hoje/ Talvez precise fazer o mesmo. É que sou/ Tudo me comove. Não sabia o que era cinismo, mas ainda sei muito pouco. Não: is er iets in wat we zeggen? Para você, pelo menos. Mas não hoje. E tudo/

Querido Marcos,

Ontem cheguei ao Recife e o dia estava ensolarado: a temperatura era boa e o serviço de bordo tinha sido excelente.

Querido Marcos,

Echi canne ppràma i ccino pu 'leme? Você haverá de saber. É que hoje ainda pergunto exatamente o que quer dizer o Saramago com aquele livro que li durante o percurso Lisboa-Fortaleza. Ontem à noite, depois do forró, dormindo muito tarde, vi uma luz branca que me pareceu/ Ontem devo ter bebido muito. Isso faz me lembrar que ando bebendo demais, depois dos vinhos de Alentejo. Tudo começou com os vinhos do Alentejo e os vinhos da volta, agora.

Marcos, eu quis sempre saber, mas nunca/ Van abban valami, amit mondunk? O que acha? Ainda tenho o número da Clara, a Maria Clara na carteira como que esperando que alguém descubra alguma coisa. Ainda não sei se devo ligar para ela, como não sei ao certo o que devo fazer hoje à noite. Ah! Espere. Há algo que preciso saber: ès doe wol iet èn wao ver zègge? Já/ Todo mundo já sabe que estou por aqui, como se isso fosse mudar alguma coisa.

Querido Marcos,

Estou tão feliz.

Querido Marcos,

Logo que cheguei a Fortaleza, encontrei a Ana e fomos jantar e depois encontrei a Pia com o Marcuschi e achei tão estranho que/ Marcuschi quis saber se a Maria Helena tinha recebido a mensagem dele e eu queria saber por que ele tinha a barriga assim tão grande. Kazuê continua a mesmíssima e Ângela é aquela beleza branca de francesa recém-acordada. Marcos, müley ta zugu yin chem pin mew rume? Ma gh'è po quèl in quall ch'a giàm? Er det noe i hva vi sier?

A Ingedore sempre tomou o desjejum tropical sozinha, toda envergadinha sobre o mamão e a melancia, um vestidinho azul pastel, um brinquinho de pérola. Comia quase bicava. Ao lado da xícara, um pote branco cheio de cápsulas amarelo-enxofre. Ela seria/ Tin algu den loke nos ta bisa? A máquina de lavar roupas deve estar avariada, é preciso chamar um técnico. Tem esse telefone que toca já uma segunda vez, e Lucas está lindo lá no quarto desenhando historinhas. Quer saber porque eu tenho de voltar. Não é ninguém.

Marcos,

Gh'é quel in col ch'as dis? Hoje cheguei uma outra vez no Recife e achei tudo muito deprimente. Não tudo, quero dizer o aeroporto. Quando fui a Berlin, o lugar me pareceu estar em reforma. Como se estivesse nascendo de escombros, como Lisboa depois do Marquês de Pombal.

Olha, eu tenho umas coisinhas para te escrever, quero dizer, tenho umas coisinhas para te enviar pelo correio. Devo enviar para Brasília? Gh'é quèll dèinter a coll che dgiòm? Por favor, diga qualquer coisa. Essas pessoas passando pelo corredor escuro e uns olhares oblíquos como que julgando: é aqui que eu devia estar? U'i é unquel dint quel c'a scurem? Diga-me.

Marcos Querido,

Ligger det något i vad vi säger?

Beijos.

Recife, 07 de setembro de 2002, 11:56h

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