9.09.2009

Le Cordon Bleu

Querida Ester Mirian Scarpa,

Eu já devo ter dito que adoro esse nome assim, tão grande, não disse? Não jogue pedra se eu estiver me repetindo, é que ando com a memória muitíssimo curta. A M. Helena vive me prometendo uma caixa de Cerebrum, mas ela, que toma uma cápsula todos os dias, nunca lembra de, afinal, me dar a tal caixa. Ou será que prometeu somente por prometer? Há gente que fala apenas por falar, como aquele dono do restaurante lá perto do ILTEC, no barbeiro, antes de ontem. Há gente que tem necessidade/ A Lourdes, por exemplo, que não tem nenhum pudor em dizer que não paga analista porque tem amigos. Eu não tenho amigos, nem psicanalista, mas também não faço questão de jogar conversa fora. Devo estar resolvido, não estou? Senão estarei tramado.

Tramado ou não, a verdade é que a planta morreu. Morreu, morreu, pronto. Eu não tenho talento para cuidar de planta. O máximo que sei fazer é regar, e só uma vez por dia. O que é que vou fazer para recuperar/ Tem uma aqui na sala com um mofo branco que me dá pavor somente em passar por perto. A Bebé me disse que eu devia tirar o mofo, as pulgas, os pulgões, sei lá, com a mão. Com a mão?! Como com a mão?! Prefiro voltar aos Açores, quero dizer, à Madeira. Mas eu estava falando sobre o fato de nunca ser capaz de lembrar o nome da ilha onde a Géia tem uma casa. Ilhas Berlocas? Será que isso existe? Ou será Ilhas Bucembas?

Hoje, quando cheguei ao ILTEC, lá estava a Rita dormindo no sofá, e eu a parecer um parvo querendo lembrar o nome da ilha onde a Géia/ Nem no Sul é! Será que com a idade isso tende a ficar pior e pior? O que me anima mesmo é saber que no dia três eu vou estar indo ao Ceará pela primeira vez em minha/ Mas se um dia a Géia me convidar para ir para as Berlocas e vou assim mesmo, porque também lá nunca estive. Sabe o que é, óh Mirian, é que eu preciso de experiências, é isso. As coisas me cansam muito rapidamente, eu preciso mudar de cenário, de roupa, de corte de cabelo. Mas infelizmente não sou muito de ter idéias ou disposição para/ Não, o que eu preciso mesmo é de companhia, da companhia que me proporcione as experiências que eu penso/ Pra Irajá? Marajó? Guaporé?

Isso agora é assim: o meu livro de cabeceira é o tal do Bernardo Soares, o do desassossego. Mas devo confessar que já estou um bocado irritado e enfastiado com o mal-humor do homem, sabe? Até parece o Isidoro! Não, é brincadeira, coitadinho do Isidoro... Ontem mesmo estive conversando com ele até quase duas da madrugada, que ele é do tipo que liga às uma e um quarto da madrugada para a casa das pessoas porque viu isso ou aquilo na tevê, e eu nem tevê sequer assisto. Mas ontem foi para falar do tal amigo que está no hospital, ficando melhor, etc. Ele sempre fala no tal amigo no hospital, que morre não morre. Ontem foi para dizer que não morria. Mas tudo bem, melhor assim. Não saberia o que dizer se ele ligasse para falar sobre a morte do amigo. O que a gente faz nessa situação? Ainda se diz "meus pêsames"? "Meus sentimentos"? "Sinto muito"? Eu não iria sentir absolutamente/ Bom, talvez sentisse pelo Isidoro, coitadinho.

Sabe que se o Manuel ligasse propondo ir agora, tipo assim: vamos? eu ia. Talvez encontrasse a Fellipa/... Mas quando o Tiago/ O Tiago ainda está na Madeira, mas quando voltar, vou fazer aqui em casa um jantar e convido a Paula e a Fellipa também. O que acha da idéia? Será que/ O Tiago vem, com certeza, sobretudo porque agora é meu fâmulo. A Paulinha também, acredito que sim. Essas coisas deixam-me/ Eu fico muito estressado quando tenho de organizar um cardápio. Mas agora que a Paulita Mateus passou-me a receita da tal sopa francesa fria... Não! Quando eu voltar, em outubro, não vou poder fazer sopa fria. Que pena...

Ontem fiquei de falar no absinto. Como não falei, acabei escrevendo uns versinhos de rima pobre, que aqui estão:

não é o absinto que instiga o coração
não! nem o gim, não é a poncha, ou o vermute
não! nem por sobras que seja a vodka
com brisa ananás ou a cachaça com limão

fácil como a rima, não é a imperial
que vai mudar a direção do que há para dizer
e o que há para dizer é tão pobre quanto
a rima, o vermute, o absinto, a vodka, a paixão

é que amarre o sapato, limpe o nariz, feche
o calção; o ouvido está sujo, tem remela no olho
e meleca no chão onde agora pisas; aconselho então
que esqueça o absinto e ouve, repara o que se passa:
atenção!

Como vê, não tenho talento com as palavras. Acho que foi exatamente por isso que acabei sendo linguista. O único problema é que estou chegando à conclusão de que também não tenho talento para a ciência. Por outro lado, gostam de minha sopa de abóbora cabotchá. Devo ir para Paris estudar no Cordon Bleu?

Beijinhos.

Quinta-Feira, 22 de Agosto de 2002, 00:04h

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