9.17.2009

Nada Terá Acontecido

Querida Lorna,

São as últimas horas, mas há um intervalo em que se pode considerar. Ah, chegam todos às sete, sete e um quarto, sete e meia. Tiago vem com a inocência das oito, oito e um quarto, oito e meia. Tiago está sempre atrasado, nunca percebe nada a tempo. A lentidão do comboio para Cascais. Eu e minha impossibilidade de querer tudo para daqui a pouco todos chegam e vai ter velinha, chapeuzinho, língua de sogra e discoteca. Eu francamente espero que ele/ Mas afinal acho que já percebeu alguma coisa. E como vai reagir aos relatos e às vinte e três velinhas? Nunca fiquei sabendo se gostou da música de Caetano ou de Elis, que eu prefiro não conversar/ Aliás, ontem saí com o Manuel e fomos almoçar juntos e eu comi uma pizza quatro queijos e depois passeamos para a direita do Parque das Nações. Nunca estive aí, mas ver aqueles pais todos felizes jogando bola e evidenciando uma alegria que não sei ao certo se sentem/

Era uma tarde de domingo também, e ela passeava de mãos dadas. Era uma tarde de primavera, e havia borboletas, havia pombos, um jardim imenso, uns cachos dourados caindo-lhe pelos ombros, uma fita linda linda. O pai não sabia ao certo onde estava, mas gostava tanto que fosse a ama a segurar-lhe as mãos. Eram mãos gordas e quente e macias. Não a mãozinha árida da mãe. Agora, por exemplo, podia andar aos saltos e rir com o medo dos pombos. Os pombos eram bichos tão parvos... De quem teria sido a idéia daquele passeio tão inusitado? O pai andava nos dias de irritação, enfurnado nos livros e nuns pijamas que não tirava nunca. A mãe chorando na cozinha, o tacho ardendo ao lume. Ela e a angústia no corredor. Agora, aos saltos, não quer acreditar; é a mãe? Olha com mais cuidado e sente que a mão da ama puxa para o caminho oposto dos pombos. É a mãe? E aquele homem? Aquela mão da mãe entre umas mãos que jamais vira? Aquele olhar de pânico, o desespero. Era a mãe. Puxa com toda a força que tem, desfaz-se da ama e corre. É a mãe que corre também numa direção contrária, quase como quem grita. A mãe, a mãe, a mãe! Os pombos voam todos num céu cinzento e ela deixa para trás a ama e um chão molhado. O pai: uns braços firmes para sempre e o beijo do pai, como se nada terá acontecido.

A praia da Costa da Caparica, uma areia fina e um possível ar de trópicos. Mas há quem faça topless na Costa da Caparica, sob a indiferença de quem nada dos trópicos tenha conhecimento. E há aquela rapariga muito branca, com um ar de kd lang, uns dentes quadrados, umas mãos em contraste na pele morena da possível brasileira estendida em toalha colorida. As toalhas na Costa da Caparica são sempre muito coloridas, de acordo com o Manuel há ele disse muitos brasileiros na Costa da Caparica de modo que kd lang devia ter numa toalha colorida/ Eu quero rir com a resposta da Marylin: uma gota de Channel 5. Serão essas as eternidades num Diário de Notícias?

Quase duas da madrugada. I think the party was pretty sucessful. Mas não sei ao certo. É que meus planos incluiam não dormir, por exemplo, e ficar conversando, e ver o sol que nunca se mostra. Quero dizer, vou ter tanto tempo para dormir no avião... Mas tudo bem, a Eva precisava/ Bom, lavei os pratos. A casa está quase novamente como estava antes de chegarem, exceto talvez pelos balões. E Telma, que ligou. Se eu estava apaixonado, o que queriam dizer, afinal, os relatos? Telma está sempre tão preocupada, Telma... Tiago? Felippa? Paula? O filho, Miguel, o filho. E a menina correndo, os pombos, os braços acolhedores: eu não tenho braços acolhedores.

Eu tenho a impressão que ele percebeu tudo, embora tenha ido/ Por que teria cortado o cabelo? Eu esperei tanto que/ Por que teria cortado o cabelo? Quando voltar, quero/ Mas espere! Agora é pensar nos trópicos. Não vale a pena antecipar e pensar no que não vale a pena. Tudo bem, que me importa? As insinuações, o olho de Maggie, o abraço de Rita?... Tenho ainda de fazer as malas, mas estou feliz que tenha insistido: amanhã às treze.

Lorna! O hotel em Paris, e o vinho francês e a cama e o hotel. Ah, o tempo, e os amigos!...

Um beijo.

Lisboa, 03 de Setembro de 2002, 2:09h

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