9.05.2009

Não Matarás

Querida Ângela Lipério,

Imagine que mesmo depois de cinco doses de gim com tônica, duas de vodka puríssima e alguns copos de cerveja, eu ainda posso escrever. A noite aqui terminou do melhor/ quero dizer, ainda há tempo para alguma coisa, e o Jack acabou de me ligar dizendo que passava aqui dentro de uma hora aproximadamente. Quero dizer, não há melhor opção aqui em Lisboa, o Jade é mesmo um lugar que/ Como se diz? Must. A música ali é sempre a melhor. Nada de comercial, e dá para dançar. Claro, precisei de pelo menos duas doses de gim, porque/ o gim foi considerado há que tempos a fonte de todos os males. Mas quem disse que o bem vale a pena?

O que vale a pena é dançar, e depois o gim se desfaz, e fica uma alegria esfumarada. Como a alegria de ver a Felippa, oblíqua, dançando sem olhar para ninguém. Acho que se eu tivesse de escolher/ Acho que eu/ Quando o Jack foi ter lá com a amiga, eu fiquei mesmo querendo me aproximar e dizer qualquer coisa. Mas a Felippa é tão estranha... E tem aquela música dos Blurs, não sei se conhece os Blurs. Eu particularmente adoro cada uma das músicas/ Só lançaram até agora um disco, mas são absolutamente fantásticos. E sempre no Jade tocam aquela música específica.

Eu não sei se devo sair hoje de novo. Afinal, não tenho os vinte e três anos do Jack, afinal. Eu estou um bocado velho. Agora se quer saber a verdade... Ontem, quero dizer, hoje, por volta de uma da madrugada, o Jack ligou e queria saber se eu estava a fim de ir a uma festa na casa de uns amigos que estavam organizando um evento performático e eu fiquei curioso porque pensei que coisas assim já não mais existissem. Existem, com todo o tipo de gente engraçada, recitando poemas, tocando zítara, tomando banho, dançando e rindo desvairadamente. Eu cheguei em casa, acredite, às nove e meia da manhã, e compramos um pão que tem aqui na padaria do prédio, quente, bom com ou sem manteiga. Eu tomo café, mas não o Jack. Quando acordei, ele já tinha desaparecido sem deixar vestígio.

Logo mais, depois da noite, quero ver se não durmo, pois é o dia do museu. Aos domingos pode-se visitar os museus sem ter de pagar por isso. Eu, por exemplo, já fui ao de Arte Antiga umas duzentas vezes sem pagar. É que adoro a coleção do Museu de Arte Antiga. Mas agora quero ver se vou ao Museu do Traje. Dizem que é fantástico. Eu gostei do Museu do Chiado. Mas o Chiado deixa-me sempre desejoso de comprar livros; eu não resisto. E agora ando meio sem dinheiro. A dose de gim-tônica é quase cinco euros! Com o dinheiro que eu gastei no Jade, podia comprar outro livro do Paar...

Quanto ao projeto... Você perguntou sobre o projeto? O projeto anda de vento em popa. Tenho três dos melhores alunos da Faculdade de Letras da UL trabalhando como meus assistentes. Tenho certeza de que vão fazer um ótimo trabalho. Mas, enfim, tem o Ceará no mês que vem, pela primeira vez, que eu nunca conheço o Ceará...

E hoje comi arroz de pato na casa da Maria Helena, e depois revi o decálogo 5, aquele premiadíssimo, o não matarás. Eu sempre tenho vontade de chorar ao final do decálogo 5, mas choro sempre ao final do 6. Eu gosto bastante desse. Saí dizendo que estava com sono, mas vim chorar em casa, no banheiro. Depois o Jack ligou e fomos ao Jade e o resto da história eu já contei. Enquanto o Jack não liga, eu vou escrevendo porque não tenho muita paciência de continuar a ler o Livro do Desassossego. E se parar, eu durmo. Mas como provavelmente a Felippa/...

Agora é o Jack.

Beijos.

17 de Agosto de 2002, 03:25h

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