9.04.2009

No Céu, Com Diamantes

Querida Ana!

Que bom ter falado contigo hoje ao telefone. Nunca te contei, mas aqui estão veiculando um comercial de cartões telefônicos com descontos feitos para chamadas pro Brasil. O que há de curioso nesse comercial é que a moça segurando o cartãozinho e rindo à toa é a tua cara. Portanto, toda vez que passo por uma cabine telefônica lembro da Ana Lúcia. Não é ótimo? Já agora penso que devia ter comprado o cartãozinho para ligar hoje, ao invés de usar o celular e ser tão breve. Eu nunca fui muito bom nessas coisas de dinheiro. Dinheiro para mim é coisa que se usa quando se tem. Tão óbvio quanto aquela música dos Beatles.

Sabe que até hoje nunca tinha escutado o Sgt. Pepper's por inteiro? Pois não me pergunte a razão: escutei. Aquela da Lúcia, a Ana Lúcia no Céu Com Diamantes é um bocado engraçada. Não sei se devo aceitar a proposta/ aliás, já aceitei. Vou experimentar a Ana Lúcia, pronto. E vou fazê-lo quando/ assim quando voltar do Brasil, em outubro. O Jacques sabe como/ Mas eu já li um bocado sobre o assunto. Isso me faz lembrar o relato do Caetano naquele livro Realidade Virtual que ele escreveu sobre os vestidos púrpureos da Maria Bethânia e de como ela, se pudesse, matava o natal. Eu se pudesse matava o tempo. Quero dizer, nunca consigo fazer tudo o que preciso num dia. Mas acabo fazendo o que julgo/ Eu matava o tempo porque ele é muito curto para o que eu quero/ para o que tenho de fazer, e já as rugas e a inveja de quem nasceu em 1979.

Hoje por exemplo acordei bastante cedo, e tinha a certeza de que ia poder trabalhar no tal artigo sobre as narrativas vicárias, mas não o fiz. Às vezes desconfio que, para falar a verdade, não quero mesmo fazê-lo. A troco de quê?

Hoje por exemplo escutei aquela música da Moranis Arissete treze (15) vezes. Tem coisas que a gente só descobre depois de ouvir pela bucetésima vez, tal como a da Moranis, aquela que diz mais ou menos assim...

O fato de ter escutado a mesma música treze vezes não me impediu de ouvir o Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band e de, agora, ouvir o Cake. Coincidentemente, a Lorna esteve ouvindo o Cake ontem também, lá na terra do Damian. E fez bacalhau a Gomes de Sá e vai tentar fazer açorda com pão italiano. Acho a Lorna bastante corajosa. Eu já devo ter dito que ela vai começar o doutorado em semântica, não, em prosódia ainda agora em setembro, e já está lendo tratados sobre semântica formal e já achou a minha tese na biblioteca acidentalmente.

O que eu estava dizendo é que escutar a mesma música deve ter contribuído para não pensar no tal artigo que merece ser escrito. Se eu pudesse ao menos hoje escrever mais alguma coisa para o all the lonely people já me dava por satisfeito. Mas a Helena Maria quer falar comigo, e não sei bem sobre o quê, uma vez que acabou de chegar do Algarve corada e sem base. Ah, deve ser sobre o jantar-festa com quarenta convidados depois de amanhã. Vamos combinar o seguinte, eu vou falar com a Mira Mateus e venho depois concluir a mensagem prometida hoje ao telefone sem cartão com desconto e cara da Ana Lúcia no Céu Com Diamantes, está bem?

Pronto, voltei, e escuto pela décima quarta (16) vez a música da canadense baixo-astral. Eu sou meio obcecado por certas coisas. Lembro de quando eu era adolescente que minhas irmãs me odiavam porque eu só tocava Billie Holiday, ou Nina Simone, ou Stravisnky, ou The Smiths, sei lá. Mas não por conta deles em si: mas pela repetição. Há coisas que eu só percebo depois da décima sexta vez, ou da terceira tentativa. Acha que eu devo tentar uma terceira vez? As duas primeiras foram bastante/

Ana Lúcia Mirian Keller, eu queria afinal ser bom, mesmo que eu não tivesse nada feito, ou que o dia fosse imperfeito, com aquele bacilo, ou com setenta e cinco quilos. Se eu ao menos passasse bem sem nem um vintém, ou fosse bom amiúde, sem cabelo nem saúde... Olha, eu estaria ótimo no papel de súdito sem rainha, o resto da vida só, na minha. Seu eu fosse amado... Mesmo quando me deparasse com a INDIFERENÇA. Que eu fosse bom com toda essa espalhafatosa crença. Se me amassem no ápice de minha mágoa, ou quando eu, enfim, quando me agarasse àquela tábua... Bom, mesmo na aparente loucura, com o sem a tua ajuda, ou a tua, ou tua...

Beijos. Feliz aniversário.

Lisboa, 16 de Agosto de 2002, 23:09h

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