9.15.2009

O Que Tem de Mais?

Caríssimo Júlio César Vilanova!

Como tinha prometido, acabei mesmo indo ter com a Cândida. Ela estava mal, muito, muito mal. Como é que/ Eu não sei dizer um fusca de uma kombi quando o assunto é toxicodependência. Nem sei se a palavra tem hífen. Tem? A mãe dela é sempre bastante gentil, pergunta se eu quero um cafezinho de dois em dois minutos. Esfrega as mãos gordas e secas uma na outra, estala a língua, como se não tivesse uma filha na penumbra, e pergunta se eu quero um cafezinho. Cândida fica aflita quando abrem a porta do quarto e a luz artificial do corredor/ Há um candeeiro de luz muito fraquinha, ainda por cima ofuscada por um lenço colorido, tipo imitação dos antigos Pierre Cardin. Ela faz um gesto de sofrimento e insinua que está feliz ainda assim porque eu/ Entrego a caixinha de Baci e ela avidamente abre um, ignorando os bilhetinhos de sorte chinesa. Aquele bairro onde mora a Cândida é tão deprimente, é tão vazio, é tão cheio de lixo na rua e tão parecido com aquele filme do Antonioni em que nada acontece...

Eu voltei para casa com a esperança de ter um bilhetinho da Mafalda no celular, tipo assim: o que acha de sairmos amanhã à noite? A Mafalda não escreve tanto, é mais telegráfica. Nunca me escreveu uma mensagem de e-mail. Aliás, somente o Tiago curte essa história de comunicação eletrônica aqui. Esquina amanhã onze? É o tipo de sms que a Mafalda costuma/ Eu não consigo me acostumar com a idéia de ter um telefone no meu bolso, e isso deixa a Mafalda muitíssimo angustiada, porque ela é a mulher do telefone. Ela vive em função/ Outro dia comprou um modelo tão recente que até tira fotografias, mas fica irritadíssima porque não pode enviar imagens para os amigos pré-históricos que usam uns modelinhos de tela verde e letra em san-qualquer-coisa.

Enquanto escrevo, vou saboreando uma tacinha de vinho madeira da safra especialíssima que Tiago me ofertou. Ah! A cor, o cheiro... O vinho madeira é realmente uma experiência! Quero dizer, se morremos sem tomar uma tacinha sequer de vinho madeira, a nossa existência não terá sido válida. E não há aqui nenhum exagero!

Muito a propósito, sabe se já lançaram Deus e o Diabo na Terra do Sol em DVD? Queria poder trazer uma cópia para dar de presente ao Jack quando voltasse do Brasil. Tenho a certeza de que ele adorar o filme! Aquela cena final fez com que Lucas chorasse por quase dez minutos. Tão querido! E depois, enxugando as lágimas, quis saber porque estava chorando... Quero dizer: plantei uma árvore que dá frutos saborosíssimos, fui premiado pela União Brasileira de Escritores por um livrinho de contos há quase dez anos, e ainda por cima tenho um filho que chora quando vê o sertão virando mar! O que mais eu posso pedir?

Está tudo combinado: no final de outubro deverei estar indo passar uns cinco dias em Amsterdam com o Jack. Ainda não sei se vão a Paula e a Felippa. Se forem, ótimo. O que importa mesmo é que em dezembro os planos da viagem para Instambul dêem certo. Estou louco paga pegar a estrada; vai ser divertido. Todo mundo arma o circo quando eu falo a respeito dessa viagem, mas isso não me assusta nem um pouco. O que tem de mais?

Um grande abraço.

Lisboa, Quinta-Feira, 29 de Agosto de 2002, 23:37h

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