10.08.2009

A Alegria de Poder Aproveitar Uma Festa

Querida Ana Lúcia,

Esse assunto não me interessa. Há, na superfície das coisas mais banais, o estopim. Todas essas leis de física estão aí para explicar porque sair numa sexta-feira à noite pode desencadear uma série de acontecimentos que resultam no caos. Não se conhece ainda muito bem como os elementos, os vários elementos que cohabitam pacificamente a ordem, são lançados para espaços que em princípio - e fundamentalmente - não podem ocupar. (Está aí, talvez, o cerne de todo o questionamento). Não é afinal de contas curioso que a mesma energia usada na destruição atômica pode ser utilizada para propósitos mais, digamos, nobres?

Valter e Valdemar. Alcidésio buscou na agenda do telefone celular o número de Nelson, e acabou escutando um sermão. Mas, acostumado com o cinismo, foi lá ter com ele. Ouviu novo sermão e atuou muito bem. Naquele dia estava, coincidentemente, faltando um ensaio. Alcidésio faz teatro e está ensaiando algo chamado Um Martini Ao Luar, algo assim muitíssimo cafona. Mas espere, é preciso que eu diga que, na noite anterior/ a noite anterior seria na verdade aquela, hoje. Mas Nelson/ Acho que Nelson agiu de má-fé. É algo que eu preciso investigar. O que interessa mesmo é que, afinal, eu tinha ido. E estávamos em Igarassu, quase perto de Itapissuma. Não, bastante antes. Logo depois de Abreu e Lima.

Isso não interessa nada. Valter e Valdemar estavam lá, e era festa de Cosme e Damião. Não sei se conhece a história dos dois santos irmãos, porque essa mensagem é na verdade sobre eles, como há de percerber. Já não recordo exatamente quem faz capoieira, se o Valter ou o Valdemar. Na verdade nem mesmo sei se o nome deles é de fato grafado com V, porque em Igarassu ainda se usa o K, o Y e sobretudo o W. De todo modo, é o mais novo dos dois quem faz capoeira e tem vinte anos e doma cavalos. O mais velho, Damião, trabalha numa fábrica, à noite, e tem um dente a menos. Valter parecia cansado e mais à vontade. Valdemar era todo deslumbramento. O fato de eu apreciar a ingenuidade com que falam não tem nada a ver com aquilo ontem na TV. Na verdade, odeio quando/ Aquelas caras paulistas fazendo troça, uma troça cheia de comiseração, de nossa gente aqui do norte. Não acho isso justo, não acho. Eu ainda tenho/ Eu acredito em dignidade, essas coisas. Embora muita gente pense que/

A idéia de que rum podia ser uma boa alternativa foi de Alcidésio, porque eu tinha sugerido gim. Mas rum é um bocado mais suave. Os meninos, ademais, não iam passar mesmo de um copo, como há de se saber mais adiante. Acho que a tradição de distribuir bolsinhas com balas, pipocas e pitulitos hoje em dia se encontra restrita apenas aos bairros mais populares, tendo em conta que a religião sempre foi o apanágio/ Igarassu é uma terra ainda quase remota, considerada o berço do estado de Pernambuco. Lá, todo o Vinte e Sete de Setembro, há uma grande festa em comemoração aos Santos Cosme e Damião. Portanto, paramos no Carrefour e compramos pizza, salgadinhos em pacotes, enchidos e uma garrafa de rum. Todos iam estar lá.

Essa não foi a festa do absinto, essa é outra história. Alcidésio sabe onde estão todos os vídeos na casa de Nelson. Tem a liberdade de roubar uma fruta do cesto, abrir a geladeira na casa de Nelson. Eu ainda precisava de rum, e fui por conseguinte o barman. Cortei várias rodelinhas finas de limão, abri a soda limonada com espalhafato, verifiquei se tínhamos gelo suficiente. Alcidésio põe qualquer coisa para tocar; não é Madonna dessa vez. O ânimo não custa a subir, como acontece sempre em festas de criança. Quero dizer, estou falando sobre a inocência e a alegria de poder aproveitar uma festa de Cosme & Damião.

Eu saí muito feliz mas um tanto chapado às três da madrugada. Cantava ao volante, porque agora já não tinha companhia e precisava ficar acordado por conta das curvas da Estrada de Aldeia. Eu saí não antes de um banho, porque foi uma confusão e eu quis vomitar bastante para ter a certeza de que podia dirigir. No meio do caminho, lembrei que aquele teria sido o dia do aniversário de meu pai. Talvez ainda estivesse embriagado, enfim, porque me pus a chorar. Ou então é porque sabia exatamente o que me esperava.

Um beijo.

Recife, 30 de Setembro de 2002, 12:06h

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