10.04.2009

Ele & Ela

Querida Verônica,

A família/ pode ser que eu tenha uma opinião bastante errada do conceito que a tevê norte-americana/ É possível que seja possível a família, mas é preciso ter muito cuidado com todas essas informações pós-freudianas e aqueles filmes todos com criancinhas desesperadas por pais que não chegam nunca para aquela primeira apresentação de teatro. Mas se a família, o núcleo de tudo, o ponto de retorno, a esperança na economia desfeita pode fugir àquilo que querem a religião e a política, olha... Se dentro dela há, por exemplo, uma Marinete, há de ser interessante.

Está bem, você há de dizer que todo essa minha puberdade tardia não faz sentido essa escrita alegrinha e cheia de subterfúgios literários de regras gramaticais desfeitas não é nada estudada, que eu não sou o Rosa e que o tempo do Rosa já era o tempo dessa literatura. Eu sei, mas ocorre que há muito o que ser dito, e não consigo organizar as minhas idéias muito melhor que isso. Então esclareça-se: não quero fazer literatura, nem mesmo insistir na idéia de ser original até mesmo porque sei que nada tem de original em nada, já agora para ser bíblico.

Deixe-me ver. Ocorre que eu não consigo ficar menos inquieto com a idéia dessa tradicionalidade que é a família. Não vejo graça naquela filmadora de mão, não vejo. E essa conversa de que o meu caso e a psicanálise podem ser uma explicação para tudo não convence nem mesmo Maria de Fátima, que tem quase cinquenta anos de terapia.

Quando ontem desci à venda de Marinete, era porque já não tinha mais o que dizer. O que querem, por exemplo, as pessoas lá na casa de Maria saber a meu respeito, e o que eu quero saber a respeito de cada uma delas? Eu costumo soar muito parvo quando procuro conversar qualquer coisa sem propósito, embora muitas vezes use isso intencionalmente. O fato de agora estarmos unidos em família significa necessariamente que temos tópicos conversacionais/

Marinete não quer saber quando é que eu volto, se eu fico, se estou, por quê. Nada. A única preocupação dela é ter a certeza de que tem troco para as compras que fazem ali na barraca. E com os gatos, para os quais dissimula desinteresse e, algumas vezes, irritação. Não é nada: Marinete não pode expressar amor de outra maneira. E quando chega então o Zé, estamos feitos. Eles são tão simpáticos, os dois. Lá em cima ninguém dá conta de que existem. Cá em baixo, eles sequer se preocupam com isso.

Manda ver uma lapada de pitú e uma caldinho de feijão: ele & ela. Eu sou do clã da Marinete.

Beijos.

Beberibe, 22 de Setembro de 2002, 9:45h

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