10.11.2009

A Mais Cândida Demonstração de Afeto

Querida Ester Mirian Scarpa,

É preciso que eu diga: nada, absolutamente nada me impressionou no Porto mais do que ouvir a Joana Isabel cantando aquela música do Velvet Underground. Hás de saber a razão.

Quando, no centro comercial/ Quero dizer, até a Rita percebeu tudo. Ela olhou para o Tiago e, depois da francesinha, veio me dizer muito honestamente/ A Rita é uma das pessoas mais bonitas que eu conheço, mas também isso eu já havia dito. Até com as caras que faz, até ao telemóvel, ou falando ao primeiro desconhecido/ A Rita me comove. Mas olhe, estávamos no Centro Comercial. Tânia também havia pedido uma francesinha, como eu, das simples, aquela sem enchidos, sem bife nem ovo. Tânia, o nome era Tânia. Não interessa. Quando voltamos/ Ele nunca me disse o que tinha feito o resto do dia, nem para onde tinha ido naquela noite em que/

A Mafalda tinha me ligado e íamos sair juntos para jantar. «No Centro Comercial de novo?» Eu objetei. Já tínhamos comido ali ao almoço... Tiago chegou e eu já estava na recepção, pronto para ir mesmo. «A Mafalda quer lhe falar.» Ele pega o telefone e põe-se/ Eu não percebo de onde vem toda aquela/ Nunca dou motivo para isso, creio. Sempre sei me comportar, não sei? Isso/ é preciso que isso se resolva. Eu nunca soube mesmo lidar com ciúmes, não sei. Por que é que as pessoas/ Descem todos e partimos para a Ribeira, novamente.

Porque eu já havia dito, a Ribeira é de fato o lugar mais festivo no Porto, e a escolha do restaurante teria sido mesmo da Mafalda, a nossa miss de chocolate. Veja lá se isso é possível numa mesa em que as pessoas bebem vinho e brindam à Maria? Talvez eu esteja velho demais, e a Beta não se importa com isso. No entanto, é a Beta quem vai perceber tudo, depois, tomando vinho branco frizante. Agora está ocupada ao telefone. Eu acho mesmo que o mais importante é a diversão, não achas? Portanto, é mesmo com esse espírito que convido todo mundo para um shot.

Ester, hoje vai no Cine Ávila o filme que outro dia estivemos comentando. Não sei se devo telefonar ao James e dizer que/ Ele nunca sabe quais os filmes que estão em cartaz; nunca lê jornais nem acessa a internet, agora que tem o computador avariado depois da chuva de sábado passado. Essa chuva/ Acho que foi a chuva que me fez tomar a decisão de ontem, depois de ter visto o filme do Cronemberg, o novo.

Antes é preciso voltarmos à Ribeira, porque a Tânia e a Mafalda estavam jogando Trivia Pursuit muito bem, sabem todas as respostas, embora não soubessem dizer afinal porque o Tiago/ Vá lá, ninguém é mesmo perfeito. Isso é o que atestam umas poucas horas no karaokê. Quero dizer, a Tânia e a Rita são o máximo, mas o nosso Love Boat era mesmo intragável. Pedi uma imperial, e a Tânia passou a tomar do mesmo copo; creio ter sido de propósito porque depois, no taxi/

Nada de muito importante aconteceu depois disso, a não ser, é claro, a Joana Isabel. Para o bem da verdade, nada de tão importante aconteceu naquela noite a não ser a Joana Isabel. Eu não acredito na maldade humana, aí está. O Ivo - ninguém percebeu - o Ivo suava frio. Acho que somos todos fundamentalmente bem-intencionados, Ester. Mesmo quando se organiza uma/ Talvez eu devesse ligar ao James. É preciso que se/ Por que ninguém abraçou a rapariga da Madeira que chorava tanto tanto tanto? É que já pouquíssimas pessoas vêem um gesto assim como de fato o é: a mais cândida demonstração de afeto.

Na volta, paramos na Bairrada para o famoso leitão com vinho branco frizante. Deve ter sido o vinho. Elisabete e eu cantamos muito no caminho e, depois, aquelas músicas todas de quando eu tinha quatorze anos, porque nunca escutei Pink Floyd. Veja se percebe. Quando perguntei ao Tiago o que ele queria saber, afinal, ele olhou para a estrada como quem busca a palavra exata (planning) e então olhou para mim com/ O Ivo - ninguém percebeu/ Meteu a quinta-marcha e correu como quem foge da rapariga da Madeira.

Beijinhos.

Lisboa, 07 de Outubro de 2002, 13:30h

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