10.10.2009

O Que De Fato As Pessoas Querem

Querida Dóris,

Quando o João Peres recebeu o telefonema da Maria Helena para informá-lo de que, afinal, o primeiro lugar do prêmio da Associação Portuguesa de Linguística tinha sido conferido a outro trabalho que não ao que ele havia submetido, ficou tão contente tão contente que esqueceu a provável decepção de não ter sido o eleito. Maria Helena conclui então que o que de fato as pessoas necessitam é de um pouco de atenção que seja.

Saímos às oito em ponto, e dessa vez o Tiago não atrasou. Elisabete sim. Não estava no sítio onde supostamente devia estar às oito mais dez, mas também não demorou muito. Chegou carregada de quatro bolsas e um telefone celular. O telefone celular seria usado com parcimônia durante a viagem, como se verá. Entretanto, eram as bolsas mesmo que/ Quando chegamos ao Porto era por volta da meia-noite. Propus que tomássemos qualquer coisa no bar em frente ao hotel, que parecia simpático por fora, o Convívio. Eu pedi uma imperial, mas pediram a Elisabete e o Tiago um refrigerante!

A noite tinha sido muito bem dormida, não obstante o fuso horário, etc. Agora é preciso acordar e tomar um banho porque afinal é a primeira vez que venho ao Porto. O homem na recepção deu-me um mapa e indicou com fastio a direção que eu devia tomar quando saísse do hotel para chegar ao centro, como eu queria. A minha primeira impressão? As pessoas no Porto são mais baixas (fisicamente) do que as de Lisboa. Mas isso já tinha me sugerido a Susana Cavadas.

Há muitos becos; eu estava na Ribeira, mas era ainda muito cedo. À noite voltaríamos ali, é só esperar, ou pular alguns parágrafos. Acho mesmo que para além dos becos, da travessia que fiz sob a Ponte Luís I, o Porto/ Tomei um ônibus para voltar ao hotel e o motorista foi muito simpático. Era a Semana dos Caloiros: há uma menina muito interessante à minha frente, com aquele fato preto que vestem os doutores para humilhar os caloiros. Ela sequer olhou para mim, mas tudo bem, porque logo mais à tarde, na cafeteria da faculdade, aquela rapariga tão bonita também resolveu dar mais atenção ao gajo no telemóvel. Devia ser um gajo. Ela fumava, e talvez deve ter sido a forma como descartava as cinzas que me chamara a atenção.

Mas antes é preciso que/ De volta ao hotel/ O Tiago chegara pouco depois, com a bolsa e tudo perguntando se o passeio tinha sido interessante. Resolvi não contar nada sobre a tal doutora no ônibus porque tem aquelas fotos da Nan Goldin que tanto me impressionaram, os auto-retratos em que ela revela que o Bruce afinal não é assim tão giro como nas fotos em que está na cama. Eu teria a coragem de revelar a violência do Tiago? Ele talvez/ Bom, ele saiu muito independente para a Faculdade, mas não quero ir agora, porque tenho sono e além disso o quarto está bastante confortável assim... Quando acordei já são horas de estarem a Eva e o Tiago apresentando qualquer coisa de fim-de-curso em cadeira de morfologia com a professora Alina, com quem jantaríamos logo mais à noite. Rio Torto não usa óculos escuros e faz observações inteligentes, desculpe.

Mais tarde, depois do café com bolo de cenoura e a cena do telefone celular, vem a Maria Helena e nos rapta a Beta e eu para o Museu Serralves. É uma exposição de fotos da Nan Goldin, de quem tanto gosto. A exposição está muito bem-arranjada e é mesmo uma pena que você não tenha podido/ A Beta assistiu comigo os slides até ao fim, porque esses valem mesmo a pena; mas a Maria Helena não tem mesmo muita pachorra para coisas demoradas no escuro. É preciso que eu compre o Ballad of Sexual Dependency novamente, porque aquele que/ o que eu tinha, ficara em Vancouver, na casa da Lorna.

Na volta do museu há uma discussão acerca de que filme deveríamos ir ver logo mais à noite, mas como a Alina insiste que a comida na Casa de Pasto da Mamuda vale mais do que o Tom Hanks... Muito bem, as lulas eram de fato muito boas (melhores do que as que tivemos na noite seguinte, como hás de saber), mas como é que é mesmo o nome dela? Esqueci-me de perguntar ao Tiago (embora tenha medo/ quero dizer, a Mafalda deverá saber). A mesa ficou mais ou menos dividida por faixa etária, ou por os que decidiram beber vinho, e os que optaram por coca-cola. Nós éramos os últimos/ nós éramos a fronteira na mesa, embora ela estivesse muito mais para a Eva do que, por exemplo, para a Beta, de novo ao tefefone celular.

Outro/ É possível que os grupos tenham se definido novamente por/ Não, há o carro e os que pedem boléia e há os que dormem cedo depois de um gelado, embora até agora não tenha percebido muito bem porque ela não concluira que a idéia de ir à Ribeira fazia muito mais o gênero de quem bebe vinho na casa de pasto da mamuda numa quarta-feira à noite. Deve ter sido por causa do/ Não importa, eu fiz a promessa assim mesmo, embora tenha a certeza de que a Celeste vai a Fátima sozinha, afinal. Nunca acreditei muito em milagres.

A não ser, é claro, o da Vodka. Depois de uma caminhada bastante longa, encontramos o tal bar que estávamos procurando, o tal dos shots. Celeste pediu um refrigerante; era a designated driver. Eu quero uma mamada e a Beta, um orgasmo. Não havia ninguém no bar, mas como era a semana dos caloiros, eis que assim bastante repentinamente há dezenas de doutores jogando dardos e tomando gato-preto-gato-branco. Quisemos convencer o garçon tão simpático que éramos afinal os responsáveis pela invasão inusitada de doutores e assim devíamos ter shots de graça. Não tivemos muitos problemas para convencê-lo, é claro. Depois, quando quisemos pagar a conta, atravessamos as capas negras dos doutores sem muitas cerimônias e, é verdade, o garçon nos ofereceu a mim e à Beta um shot, mais um shot à borla. Tomou um também, à nossa. Podemos voltar lá hoje à noite, está bem?

Beta queria cantar, por que não? O karaokê vazio era/ todos ali eram bastante aborrecidos, mas depois de três shots seguidos, quem se importa? Para já, não têm o que se pede. Então tinha de ser vodka mesmo (para o milagre). Escolhemos uma série de músicas, as que sempre escolhemos quando vamos ao karaokê. Além de nós, os três, havia apenas um casal já bastante/ E o Bob Marley, cantando a ternura dos quarenta. Pense. Pronto: dançamos, cantamos, rimos bastante e a Celeste nos levou de volta para casa, como havia prometido. A noite havia de ser muito bem dormida, não obstante/ Etc.

Beijos.

Porto, 03 de Outubro de 2002, 08:25h

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