10.17.2009

Mais Uma Estatística de Janela em Noite de Outono

Caro Júlio,

Há provavelmente 372 janelas acesas; é possível ver daqui cada uma delas. Se computarmos o número médio de habitantes por casa em Lisboa, que gira em torno de 2.7, isso há de perfazer um total de aproximadamente 1.004 almas. O que um número tão grande de pessoas pode estar a fazer numa noite de outono como agora é algo que não me interessa em absoluto. Os números nos tornam indiferentes.

Pela insistência da música que sai do telefone, não foi difícil supor que o Isidoro estava precisando falar. Os cobertores começam a ficar pesados de novo, com o frio por trás das janelas de vidro. Os meus gestos são, desse modo, mais lentos. «Miguel?» «Isidoro, quem podia ser?» Silêncio. Esfrego os olhos e sento-me encostado ao espelho da cama, esperando.

«Não quer ir ao Bairro Alto?» «Mas são quase cinco da manhã!» «Não quer ir?» «Isidoro, é assim...» «Está bem. Adeus.» Eu preciso ter mais paciência com toda essa gente de 1979. Agora resta-me fazer um café, porque sei que ele vai ligar dentro de poucos minutos. «Isidoro, qual é o problema?» É uma pergunta retórica. Hoje a Margarita olhou através de meus ombros com o mesmo olhar que o Isidoro teria lançado para mim naquele instante.

Contou-me tudo acerca da impopularidade que lhe é característica desde sempre. Se é um chato? Deve ser um chato. Isidoro tem esses ataques de autocomiseração desde que começou a visitar aquele amigo no hospital. Ninguém o convida para absolutamente nada, nada. O telefone nunca toca; a campainha. Não há mensagens eletrônicas, nada. É mais uma estatística de janela em noite de outono. «Percebe, Miguel? Eu sou sempre aquele que organiza tudo. Se espero, nada acontece. Ninguém blá-blá-blá.» O cheiro do café atravessa a porta do quarto. «Isidoro, não exagere.» Mas de fato jamais pensei em convidá-lo para uma imperial no Bairro Alto. É que a conversa de Isidoro às vezes é demasiado fastidiosa. Não há trivialidades, não há graça. Ele é sempre muito sério e pesado. Acho que as pessoas têm medo do Isidoro. Eu não tenho, para ser franco. Entretanto, nunca me passou pela cabeça convidá-lo para uma cerveja na Trindade, eis o que é.

Quando perguntei à Margarita se estava tudo bem, ela pousou a tosta no prato e falou, com o rosto vermelho, que sim. Mas olhava para a vitrine, através de meus ombros. Depois a Rita quis saber se podia me ligar logo mais à noite. Eu achei estranho que me fizesse essa pergunta; passara o dia num silêncio incomum. «Claro, não precisa pedir permissão.» E eu sei muito bem porque a M. Helena não quis ver o filme sobre o romance de Duras com aquele rapaz judeu.

Não vai terminar o que tem a dizer, eu começo a conhecer o Isidoro. Carrego um xícara de café fumegante entre as mãos e vejo ali mesmo perto da porta o molho de chaves. Se você tivesse uma cópia da chave da casa de Isidoro, Júlio, o que faria?

Um abraço.

Lisboa, 15 de outubro de 2002, 23:55h

Sem comentários: