11.26.2009

Era O Sedutor, E Detestava

Querida Odileiz,

Há uma regra entre as minhas irmãs e algumas primas que consiste basicamente em manter o contato social ativo. Uma estratégia de que fazem uso para tal é a reunião para assuntos cosméticos, em que se ajudam a cortar as unhas, lixar, pintar as unhas, alisar os cabelos, fazer as sobrancelhas. Tudo isso é feito num espírito de muita camaradagem. Põem todos os assuntos em dia e ainda sobra tempo para muita, muita maldade. Mas não é uma maldade que tenha o propósito de destruir; o propósito, muito pelo contrário, é de edificar os laços que procuram manter, através do humor. Graça é particularmente muito boa nisso, e até eu me divirto.

Querem saber se em Portugal/ Querem saber tudo o que podem, mas não fazem perguntas muito diretas. Eu então sou ainda mais vago em minhas respostas. Iuska vê cada uma das fotos com cuidado, mas o resto de minhas irmãs estão interessadas numa revista feminina que traz um teste para revelar como andam sexualmente as que se habilitam a fazê-lo. Há gritos. As perguntas são feitas quase como quem lê receita de bolo. As respostas de Kátia são balbuciadas, que ela morre de vergonha. Iuska insiste que o perfil direito de Tiago é muito mais fotogênico e que Rita parece ser no mínimo dez anos mais velha. A Tânia é bonita, mas há algo de errado com o nariz da Mafalda. Graça anuncia: Kátia anda numa fase sexualmente explosiva; é melhor ter cuidado.

Depois há uma pequena reunião na cozinha para o café. É a minha mãe agora que começa a me comparar com Lucas. De fato, somos bastante parecidos. Eu, como ele, aprendi a ler muito cedo e muito rapidamente. Como ele, eu quase não tinha amigos na escola, embora tivesse uma imaginação muito fértil. Escrevia livros de páginas costuradas, fazia teatro com bonecos de borracha, era professor ou o que fosse, desde que pudesse manipular quem estivesse participando do jogo. Eu era o sedutor, e detestava ser seduzido. Fátima recentemente chegou a essa conclusão. Entretanto era sobre o café e a conversa de minha mãe que falávamos.

"Lopes gostava muito dele, Verônica." Minha mãe segurava um bordado antigo e verificava uns detalhes perdidos no tempo. "Um dia - repara como eu fiquei furiosa - ele foi à loja e disse: escolhe o que quiser. Sabe o que ele escolheu?" Verônica olhou para mim e percebeu tudo. Já não lembro, exceto de uma roupa marrom com bolinhas amarelas. Eram amarelas, eu creio. Mais café.

No terraço, discutiam à solacapa o livro da Nan Goldin. Ilka parece revoltada; Iuska, indiferente; Graça, curiosa. Não é o tema do livro que parece ser/ Eu gosto de ver a reação dos que vêem/ Melhor, gosto de saber o que pensam do livro. No final, o livro volta à minha mão e Ilka não consegue entender muito bem porque Verônica continua trazendo pãzinho assado e café, mais café.

Não há motivos para preocupação, disse a médica sorridente, com a cara de quem anuncia um tumor do mal. Eu não sinto nada. Mas nem sempre as mãos/ Então é por isso que depois de amanhã preciso fazer tudo o que for preciso para provar que ela está certa. Mas ainda há mais, muito mais. Iuska olha para adiante como quem espera o resultado.

Beijos.

Recife, 25 de Novembro de 2002, 19:56h

11.25.2009

Jukebox (Tripe i-xv)

A nota do cruzeiro é a cara do Tiago! E só agora é que eu vim perceber.

O coiso deixou de tocar. É estranho! Tiago, o visor do Jukebox não é mais o visor do Jukebox e o […] já não está lá dentro dele e já não há música. Que é que fazem os pássaros? E a música já não toca. Hoje ainda é que não! Só no próximo hinverno!

O Tiago diz que o inverno é sem H (mudo ou aspirado?) O Jukebox é mudo, mas a guerra não. Ou o que terá se passado com o Jukebox? O que terá se passado com a baby Jane do Jukebox?

11.24.2009

Um Quatro Antes de Dirigir

Querida Nana,

Hoje Verônica decidiu que quer ir à igreja, e percebi que a aliança, de volta ao dedo, não está assim tão folgada como costumava ser. Não há mais como enganar aquela bruxa ali. É verdade, nunca disse que Verônica entende da arte da cromoterapia, e já a praticou com bastante sucesso. Agora é tempo. Enquanto isso, Gal sofrega: "vê se leva o mal que me arrasou, pra que não faça sofrer mais ninguem... esse amor que é raro e é preciso pra nos levantar me derrubou". Acho que deve ser uma composição do Djavan.

Ninguém entende muito bem a razão de tanta chuva em pleno verão pernambucano, e eu repito que trouxe comigo o inverno europeu. É quase uma piada, mas ninguém percebe e ninguém quer rir. Quando mostei os livros da Nan Goldin e do Ed van der Elsken para Iuska, ela não fez nenhum comentário. Nem mostrou a repugnância que a maioria das pessoas costumam querer trasparecer. Eu tenho a impressão que Iuska é quem melhor compreende o meu senso de humor.

Há, no entanto, algo que não bate. Se antes foi o André, depois o Lucas/ Hoje, por exemplo, Lucas foi surpreendido abraçando um cão, o cão da vizinha. Em muito pouco tempo estava coberto de borbulhas por toda a parte do corpo. Teve de tomar banho o mais rápido possível. Chorava como quem não se conforma com a idéia de não poder abraçar um cão. Isso assim, para o resto da vida?

A discussão que costumo ter para tentar justificar o que seja é a de que existem ações eminentemente positivas e ação eminentemente negativas. Eu sei muito bem que essa visão dicotômica do mundo está mais para um romantismo religioso que eu procuro descartar. O que eu quero implicitar com o "eminentemente" é que existe uma escala. Deve existir uma escala. Embora, no final, acho sempre que vence o egoísmo, e isso pode ser eminentemente negativo. Ou estarei enganado? Há quem suponha ser o egoísmo, a luta pela sobrevivência, o que nos faz seguir adiante.

Eu não tenho essa necessidade de evidenciar o meu amor que não aos interessados. Quando estou apaixonado sou bastante óbvio, mas provavelmente para o objeto de minha paixão apenas. A Maria outro dia quis saber porque eu nunca trazia/ Por que ela não vem? Ainda assim, cheio de vodka, respondi com uma lucidez de quem pode fazer um quatro antes de dirigir.

Beijos.

Recife, 24 de Novembro de 2002, 10:21h

11.23.2009

Flor-de-Lis

Querida Margarita,

Ontem foi mesmo o último dia perfeitamente palíndromo que a nossa geração terá vivenciado: 22/11/2002. O próximo será apenas em 11/11/2112. Houve um hiato entre os dias 11 e 22 do ano corrente, mas vamos ver o que se passa. Na verdade, o silêncio já precedia o intervalo dos palíndromos, se há uma verdade. A M. Helena acha que não, e quer investigar a esquizofrenia.

Não há muito o que contar/ Algo aconteceu, mas até agora não entendi muito bem. A festa da Maria foi um sucesso, como as fotos poderão sugerir. Aquela alegria incerta e quase imponderável que alegra qualquer coração humano ante a dor dos outros, e o desconforto alheio, ponho-a eu no exame de minhas próprias dores, levo-a tão longe que nas ocasiões em que me sinto ridículo e mesquinho, gozo-a como se fosse outro que o estivesse sendo. Por uma estranha e fantástica transformação de sentimentos, acontece que não sinto essa alegria maldosa e humaníssima perante a dor e o ridículo alheio. Sinto perante o rebaixamento dos outros não uma dor, mas um desconforto estético e uma irritação sinuosa. Não é por bondade que isto acontece, mas sim porque quem se torna ridículo não é só para mim que se torna ridículo, mas para os outros também, e irrita-me que alguém esteja sendo ridículo para os outros, quando não tem direito de o fazer. De os outros se rirem à minha custa não me importo, porque de mim para fora há um desprezo profícuo e blindado. Mais terrível de que qualquer muro, pus grades altíssimas a demarcar o jardim do meu ser, de modo que, vendo perfeitamente os outros, perfeitissimamente eu os excluo e mantenho outros.

Não que a Tânia, por exemplo/ Ela não deve ter ficado/ Não vai saber jamais. Enquanto isso, a Rita deitou a cabeça como quem quer ouvir o meu coração. Estamos ainda falando sobre a festa de aniversário da Maria, em que tudo aconteceu. Se eu talvez não tivesse tido aquela dor, é possível que estivéssemos lá até agora. A Celeste bateu com certa insistência e eu tive de procurar saber exatamente o que havia por trás daquela sofreguidão. Quando percebi que as horas passavam sem muitas novidades, quis descartar as possibilidades mais funestas, que eu ando um bocado assim. Mas depois, vendo ali aquele quatro cheio de vodka/ Eu não dormi muito bem até a manhã seguinte.

Acho tão bonito quando as pessoas vencem o pudor e fazem o que sentem sem se importar com o que quer que isso possa/ É verdade, para cada ação há uma reação. Essa é a terceira lei de Newton? Oh, Margarita, sabes a história por trás da flor-de-lis? É que a Lorna sonhou outro dia que eu havia escrito para ela anunciando uma tatuagem nova. O sonho teria sido tão real que ela correu na manhã seguinte para verificar em sua caixa de correio se essa tal mensagem de fato chegou a existir.

Muitos beijos.

Recife, 23 de Novembro de 2002, 11:29h

11.22.2009

Muda Tudo (Tripe i-xiv)

Retomei a escrita. O Miguel diz não consegue. Será que eu consigo? Vamos ver. O Miguel começou a falar de uns efeitos visuais que está a ver. Eu não os vejo. Será que o Sol está muito forte? Já tínhamos falado disso há pouco. Bom, eu acho que podemos ficar ao sol. 'Está bom.' 'Também não há de ser muito tempo'. 'Nós temos de lembrar que a tua pele'. 'Pois é, mas eu acho que a minha pele r… ag… aguenta.

O Miguel está a ver coisas dentro de uma estrutura - retangular - como se fosse de cinema. Ele diz que isso também tem a ver com os computadores, não sei quê, widescreen.

Agora vem uma das minhas partes preferidas do CD: o solo 22. Agora estamos em silêncio. O Miguel ri-se por vezes. Eu paro. Penso em tudo ao mesmo tempo. Agora escrevo.

Pois é, é engraçado como muda tudo de repente. A nossa atenção dispersa-se tanto. O Miguel pergunta se é chuva. Ou é o mar? É o mar.

O Miguel interpelou-me. Está a ver algumas coisa para ser fotografada. Agora é que estamos mesmo a alucinar forte. Viemos para dentro por causa do sol. O Miguel está de pé. Agarrou na máquina. Tirou-me uma fotografia. Pois é, a Sol Niger está a acabar. De repente, pergunto-me se esse som é dentro ou de fora. O Miguel também pergunta. Ele saiu e voltou a entrar. Tirou-me uma fotografia. Pois é, a parte final do 'Sol Niger' dura muito tempo.

Agora discutimos a questão das horas e do […]. Devemos esperar pelas quatro horas de efeito, diz o Miguel.

Bom, agora é que estamos a ver as paredes a derreter. Falamos sobre a minha pele. Sobre a insolação. Eu digo qualquer coisa e o Miguel pergunta-me 'E daí?' Ele tirou-me novamente uma fotografia. Falamos sobre os colchões. Se estavam molhados ou não. Eu acho que não tem problema.

Estávamos a ouvir Biosphere. Agora ouvimos […]. O Miguel está de pé. Eu continuo a escrever.

11.21.2009

Exercícios (Tripe i-xiii)

As páginas não/ voam/ Tiago deita/ levantou/ há/ Em […] é mais baixa / não são alucionações, são exercícios MILITARES.

Na versão em CD não há o órgão. Ou será na/ então eles editaram/ no Jukebox do Tiago/ é na mistura. São os pássaros. Ou são os exercícios de gu/ Os dedos são mais longos e a música também não termina. Os dedos e órgão que pára/ afinal

11.20.2009

A Guerra (Tripe i-xii)

O Miguel diz que a folha de papel parece ter uma perspectiva diferente. Pois é, agora as coisas aparecem e desaparecem de repente. Já estamos mesmo a chegar ao efeito. Continuamos a ouvir o 'Sol Niger'. Continuamos a ver barcos e helicópteros no mar. O Miguel diz: 'a guerra começou'.

11.19.2009

Tudo Muda (Tripe i-xi)

Tiago está a sentir umas coisas […] e agora eu […] espetacular do som.

Agora acho que já estou a ter alucinações. Tudo muda. Isso é […] são as alucinações. Reaparecem as idéias/

Já ab/

11.18.2009

O Que é Que Vieram Cá Fazer? (Tripe i-x)

O Miguel está a fechar os olhos constantemente e diz-me o que está a ver. Está a rir-se imenso. Ele primeiro viu fractais (eu não consegui ver, vi […]), depois começou a cores. O mais importante são as cores - cores do azul ao prateado. Depois há uma espécie de desfocalização, diz ele. Estamos a ouvir o álbum a solo do Thordendal, que é exatamente uma experiência deste tipo, também. Vemos alguns helicópteros. Vemos agora duas freiras pervertidas a chegar à praia. Quanto tempo terá decorrido desde o início? Penso que são agora três e meia.

O Miguel está agora a sentir uma sensação de widescreen. Ele pergunta se eu não sinto o mesmo. Eu digo que não, que estou a escrever. 'Isso daqui é mesmo uma trip!' Ele acha que eu não devo perder muito tempo a escrever. Mas agora estou a gostar de escrever. Oh, o solo espetacular do início do álbum, no índice 6:qualquer coisa.

O Miguel continua com os olhos fechados e diz que está a ver um efeito do Photoshop tipo Emboss. Uma perspectiva, o que vai por cima depois vai por baixo!

Parecem estar dois polícias ao pé do restaurante. Parecem estar curtindo a praia, também. O Miguel sugere que eles vieram por qualquer coisa de guerra. Eles já desapareceram. Pois é, o que é que vieram cá fazer?

11.17.2009

Um Azul (Tripe i-ix)

Vem de ao redor a música vem de/ Há sempre alguém nos balneários. Há um papagaio no céu, há um papagaio. O sol saiu de repente para o Tiago e o Miguel ou é pura alucinação. Isso saía bom com ou sem ácido? Não sei! Ele responde! Por que é que o Victor Hugo não sente nada? O vermelho é predominante. 1001 noites. Há um azul na praia. Nós devíamos ter trazido fatos de banho porque as ondas estão fraquinhas. Uma vez o Tiago ia morrendo em São Jorge com umas ondas de três metros e tem ainda o pormenor de lá não ser areia. Em pedra! Calhau! Há chances de que o sol fique até o fim da tarde… e as folhas voam. O meu ainda está todo inteiro e não mais o do Tiago. Então por que é que […]

11.16.2009

Sincronia (Tripe i-viii)

Agora estamos a ouvir a Contrast. Ah, como gosto desta música! O Miguel diz que ouvia estas músicas no carro, no Brasil. Ambos concordamos agora que foi uma idéia maravilhosa termos vindo para aqui. 'Não, são duas experiências diferentes!' O Miguel diz, e bem, que as ondas do mar parecem estar em sincronia com a Contrast.

Pois é, estamos agora a concretizar um de nossos projectos. Até o tempo ajudou!

11.15.2009

Cor-de-Rosa (Tripe i-vii)

O cor-de-rosa terá a ver com a cor dos bonecos? E a música repete porque/

11.14.2009

Será Que Já São Três Horas? (Tripe i-vi)

Será que já são três horas? Agora apareceu muito mais pessoal na praia. Vêm imensas pessoas. Devem estar a dar o passeio depois do almoço. O Miguel está a fotografar-me Olhamos um para o outro e rimo-nos. Pois é, acho que o efeito está a começar. Será alteração de aprofundamento da percepção dos sentidos?

Estamos a ouvir a K2 e a ver o o movimento das pessoas na praia, ao mesmo tempo. Estou a ver uns cor-de-rosas estranhos circulando pelas paredes. […], acho que já começou. A K2 está a acabar agora. E! Agora estamos a ouvir o Matt e o Morgan. Sim, os irmãos, porque não! O Miguel foi fotografar os poucos bonecos que restavam no meu ácido.

11.13.2009

Os Bonequinhos (Tripe i-v)

Meia hora, quarenta minutos. O […] chega ao restaurante e não há bonequinhos. Ele teria chupado os bonequinhos? Não vale a pena. É melhor que os bonequinhos desapareçam por conta própria, porque querem. Há […]. Ou seriam alucinações? Parece que / há duas / mas tão ali, tão. Tiago assume que está sentindo uma certa diferença física. Existe um certo torpor. Ou seria a percepção do nosso físico? O álcool tem a propriedade de relaxar os músculos, mas não é por acaso que as pessoas fazem disparates e batem de carro, mas não bateriam com o LSD? O álcool tem um efeito de retardar o fluxo de informações do sentido, mas e o LSD? Altera.

11.12.2009

Luminosidade (Tripe i-iv)

Já afinei os bongós, estive a tocar um bocado, mas ainda não comecei a sentir nada. Quer dizer, vi um senhor alentejano a passar na praia, mas acho que não era alucinação. O Miguel diz-me agora que já sente alguma coisa, um ligeiro embriagamento. Pois é, eu acho que também estou a sentir a cabeça mais leve, de facto. Vemos as aves a passar na praia. O Miguel fala de luminosidade que vê ao pé do restaurante. É estranho. Fui agora vê-la. Pois é, é para lá de fora do restaurante. Acho que tem a ver com o esquema do mar e o reflexo da luz […]

O Miguel pergunta: 'E se a guerra começasse agora?' Pois é, por causa dos treinos militares. Ele diz que vê uns barcos pretos bem estranhos do lado direito. E também vê barcos (estes mais parecem submarinos) do lado direito, na tal Praia da Raposa, aquela a que não pudemos ir por causa dos exercícios militares.

11.11.2009

Os Bongós (Tripe i-iii)

E toca os bongôs. Está na batucada. Um ano a tocar batucadas. O papel nunca mais se desfaz na boca. Ou já se desfez? Ainda haverá alguma figura aí? Os bongós não estão afinados. Meias azuis como a camisola e mãos muito brancas tocam os bongós. A percussão e as ondas. O sítio talvez fosse o mais apropriado se não fosse pelo cheiro. Que cheiro esquisito é esse? Então e quando vem o mar e entra aqui nos abrigos? Abrigos abandonados, tal como queríamos. Exatamente como estávamos a procurar. E às seis, ao pôr-do-sol vai talvez ser o pico. Ruivo. Uns pássaros sobrevoam o mar e não são Jesus Cristo. Não. Nem as máquinas. Há cinco fotos ainda por tirar na minha máquina normal. Não sei quantas fotos é que a digital há de abarcar. Serão trezentas? Sempre digo trezentas para que todos fiquem impressionados, como a ucraniana no trem de Nantes para Paris. Um senhor alentejano passa adiante, chapéu de chuva à mão, boina na cabeça, olhando o mar. Que faz um senhor alantejano a essas horas ao pé do mar? Tiago deita-se nos papelões. Desistiu dos bangós. Contempla o mar, os braços cruzados. Ainda há figura. E ri. Por que será que ri? Ri por alguma razão? São os exercícios militares, Tiago conclui. E olha adiante. Agora levanta. Olha através da porta. O mar. Ri. Do que se ri? Da situação? Há de haver graça na situação? Uma situação que há de ficar para sempre na memória dos bongós.

11.10.2009

Lugar Como Imaginado (Tripe i-ii)

Saí da cabana para fazer algumas fotografias. Agora que me sentei, começou o Miguel a fotografar. Pois é, este lugar é exatamente como tinha imaginado. Quer dizer, não é exactamente (há ainda umas quantas pessoas ali ao lado, e há o restaurante onde almoçámos que tinha umas belas sobremesas), mas está bem próximo. O mar hoje está muito bom para o banho. Ondas de dois a três metros. Se a água não estivesse (fosse…) tão fria, até era bem capaz de me aventurar. Agora, porque depois não convém muito… Enfim, agora também estou na digestão.

O Miguel sacou agora da digital. Continua a tirar fotografia, passeando por aqui e por ali. Bom, acho que vou afinar os bongós.

11.09.2009

Primeira Viagem (Tripe i-i)

Hoje é 15 de abril de 2003; tomamos, ou melhor, metemos exatamente às 14:10. A coisa em princípio deve começar a fazer efeito a partir das 16:10 ou o que seja. Aqui ficam registradas as impressões que essa primeira viagem há de proporcionar. Há nuvens no céu. É um céu nublado. As ondas quebram à vista. Tiago busca uns papelões para pôr por sobre os colclões molhados e agora faz umas fotos. A cabana. A praia de Comporta. Há pouco almoçamos bacalhau à lagareiro (eu) e salada de atum (Tiago). Discutimos umas páginas que nunca hão de ficar prontas e, para sobremesa, morangos com chantili (Tiago), tarte de amêndas (eu). A tarte veio acompanhada de um bom gelado de nozes. Surfistas sentados em círculo na praia. Conversam não se sabe o quê. Há uma sensação esquisita no nariz. Tiago ri e sugere que não tem nada a ver. Sai e vai tirar umas fotografias. Guia Expresso o Melhor de Portugal. Sintes. Ontem almoçamos feijoada de Búzios e filé de moreia. O filhete de moreia não nos caiu nada bem, mas a conversa e o vinho bastaram para que o resto da tarde fosse agradável. Está aí. A palavra. Há doces espalhados no chão, as bolsas […] e uns casacos.

11.08.2009

Flowers For Me

Pois é, é algo absolutamente inédito, e são tantas tantas! Como contê-las todas numa jarra? Debruço-me demoradamente sobre o assunto, pois seria quase que um crime destruir tão belo arranjo. Mas eis que ele já aí surge, pronto pronto, sem que uma única rosa tivesse de ser apartada. E bem no meio, claro está, para que todos vejam.

08/11/2002

11.07.2009

Doentes

11.06.2009

Janela

É claro que a culpa é minha. Ela, ela obviamente não podia dar valor a nada daquilo. Ah, e como são chatos estes advérbios de afirmação! Como posso eu pretender dizer alguma coisa no meio de tanta merda? Antes ainda me valia a desculpa da métrica, o raio da métrica, cinco, seis, sete, agora nem isso. De qualquer modo, não poderia nunca dançar com ela. Ever.

Por isso, ponho-mo simplesmente a contar os dias e a juntar as letras das canções mais tristes que conheço. Pois é, mas não vale a pena ser obsessivo. Mais vale tomar um copo com os amigos e exercitar a melancolia de um modo artístico, ainda que para arte não baste o exercício. Ah, well.

A janela está aberta, o martini vai a meio. Nada como bebê-lo numa tardes destas. Sim, porque de noite já de nada serve e de manhã só por mero capricho. Oh, que nos valham ao menos esses caprichos, e que ponham na boca de todas e de todos estes monotongos declaradamente britânicos e na boca de mais uns quantos umas quantas tiradas contra o consumismo. Venham todos, venham todos, para que possamos cantar em conjunto a grande gangrena cósmica e mais todos estes nomes e adjectivos! De facto, de que serve o silêncio? Quem foi que disse que ele é de ouro? Ah, sim, já sei. Mas não podemos ir buscar maus exemplos, o objectivo é fazer algo de novo.

Os Dois Pontos têm de ir mais longe, não se podem ficar pela superfície. A melancolia é apenas uma desculpa para o narcisismo, e já chega de exercícios.

Avancemos, então, para os dois pontos que dão título a este número, usando até um plural de conveniência, para que a coisa fique mais bem disposta.

Como sabemos, a Martini gasta muito dinheiro em publicidade. Numa das suas campanhas mais recentes, teve de pagar à Gwyneth Paltrow, que por acaso também anda por aí nos cartazes do Corte Inglês (não, desculpem, do El Corte Inglés) e é dona de um sorriso deliciosamente horizontal. Deixando, no entanto, as abstémias, o cartaz de que lhes vamos falar é este. Foi lançado pouco antes do Verão, a par de uma nova campanha televisiva. Só é pena que se tenham esquecido da Internet, para divulgar este novo expoente da filosofia Viva la Vita. Enfim, trata-se de um produto clássico, e em virtude disso terão pensado que não fazia grande sentido trazê-lo para este meio tão vanguardista.

Na nossa opinião, este anúncio é destinado a um público-alvo entre os vinte e os quarenta anos, e isto para não sermos muito largos, porque há por aí muito boa gente de menor e maior idade capaz de apreciar semelhantes bustos. Na verdade, se tivermos em conta que um dos seus objectivos mais imediatos é fazer com que o público se identifique com as personagens retratadas, chegamos à conclusão de que o público-alvo é todo aquele que se encontre em idade sexualmente sugestionável.

Se olharmos com atenção, vemos que os modelos não estão vestidos de forma casual: pelo contrário, representam a juventude no que tem de mais esbelto e economicamente bem sucedido. No fundo, é um jogo de sedução ao quadrado. Por meio de um simples martini, não só nos tornamos pólos de sedução tremendos mas também nos podemos equiparar aos homens mais bem sucedidos da nossa geração.

O carácter clássico do anúncio encontra-se consubstanciado no facto de ser o homem a segurar o copo, sendo também ele quem chama a atenção. Outra escolha não seria possível. Podemos até imaginar os produtores da campanha, olhando de soslaio para quem quer que fosse que ousasse apresentar um tipo de abordagem mais feminista.

Contudo, apesar de todo este classicismo, vemos que aquilo que o senhor à direita está a beber não é um verdadeiro martini, mas antes um qualquer martini que um qualquer frequentador de piscinas de quinta ou sexta categoria poderia beber na esplanada da mesma, com os calções ainda a pingar. Isto significa que a Martini aposta na acessibilidade, como também já havia observado o nosso amigo Alexander Rieder, a propósito de uma outra campanha que saiu na televisão: «The commercial tells us that Martini's prices are not exorbitant. Everybody can afford one glass, or even one bottle in order to celebrate or maybe to forget.»

De volta aos produtores: não queremos de modo nenhum ser elitistas, não queremos veicular misantropia, seja de que tipo for. Pois não. O martini é uma celebração, é um câmbio, não pode estar associado a coisas trágicas. Pois não, a não ser que alguém deixe cair o copo por acidente, como que forçado a sair do jogo. Nesse caso, não há nada a fazer. As coisas deixam de bater certo, o Gianni já não chega à esplanada a tempo, a Sofia perdeu o barco e de repente ficaram todos com um ar demasiado sério. É então que se começa a ouvir o pobre do Renske, lá do fundo da Suécia, a perguntar: «How could this go / so very far / that I need someone to say / what is wrong / not with the world but me?»

11.05.2009

Escrita

11.04.2009

Morte ao Ricardo Reis

From: Angelus
Subject: Morte ao Ricardo Reis
Date: 22 July 2002 22:25:28 GMT-03:00
To: Saavedra

Mestre, são plácidas
Todas as horas
Que nós perdemos,
Se no perdê-las,
Qual numa jarra,
Nós pomos flores.

Não há tristezas
Nem alegrias
Na nossa vida.
Assim saibamos,
Sábios incautos,
Não a viver,

Mas decorrê-la,
Tranquilos, plácidos,
Tendo as crianças
Por nossas mestras,
E os olhos cheios
De Natureza...

À beira-rio,
À beira-estrada,
Conforme calha,
Sempre no mesmo
Leve descanso
De estar vivendo.

O tempo passa,
Não nos diz nada.
Envelhecemos.
Saibamos, quase
Maliciosos,
Sentir-nos ir.

Não vale a pena
Fazer um gesto.
Não se resiste
Ao deus atroz
Que os próprios filhos
Devora sempre.

Colhamos flores.
Molhemos leves
As nossas mãos
Nos rios calmos,
Para aprendermos
Calma também.

Girassóis sempre
Fitando o sol,
Da vida iremos
Tranquilos, tendo
Nem o remorso
De ter vivido.

11.03.2009

11.02.2009

11.01.2009